14 Março 2025      10:43

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Festival Terras Sem Sombra arranca este fim de semana

As Filipinas são o país convidado do Festival Terras Sem Sombra (FTSS), que começa este fim de semana, em Arraiolos, e decorre até ao mês de dezembro, em 14 concelhos do Alentejo, dois do Ribatejo e outros dois de Espanha.

Na apresentação desta 21.ª edição, que decorreu na embaixada das Filipinas, em Lisboa, o presidente do FTSS, José António Falcão, destacou a descentralização cultural do evento, que se realiza fora dos grandes centros urbanos e que percorre os quatro distritos do Alentejo, região que representa aproximadamente um terço do território nacional. 

Os responsáveis do festival não esconderam os “momentos de fragilidade” que o FTSS viveu, designadamente pela falta de apoio da Direção-Geral das Artes (DGArtes) no concurso anterior do Programa Sustentado, o que não aconteceu este ano, uma vez que foi conseguido financiamento na modalidade bienal, no montante de 60.000 euros, “o que permite planear melhor” e “pagar as contas”, revelou à Lusa a diretora executiva, Sara Fonseca. Para a edição do próximo ano, está prevista a apresentação de uma ópera encenada.

A edição deste ano é dedicada ao tema “Autoras, Intérpretes, Musas: O Eterno Feminino e a Condição da Mulher na Música (Séculos XIII-XXI)” – a mulher que, segundo Falcão, é “uma multidão que compôs em silêncio quando as convenções sociais assim o impunham, muitas vezes tendo que fazer passar as suas obras como tendo a autoria de outros, alguém que inspirou e criou obras eternas, mediando entre a partitura e a alma humana, alguém que, sendo enaltecida e mitificada, deu corpo e serviu de argumento a algumas das mais belas criações da arte musical”.

“A mulher desempenha um papel absolutamente fundamental neste âmbito, mas isso ainda continua a não ser suficientemente conhecido e reconhecido. É também contra um preconceito muito arreigado que a presente edição do festival se ergue, procurando mostrar como ele não possui qualquer fundamento”, avançou.

Esta edição fica marcada pelo regresso dos Prémios Terras sem Sombra, que foram suspensos durante a pandemia de Covid-19, no ano de 2020, e pelas participações de um novo concelho alentejano, Sousel, de dois concelhos ribatejanos, Coruche e outro que vai ser anunciado “em breve”, e ainda de dois municípios espanhóis, um na Extremadura, e outro nas Astúrias. No ano de 2019, o FTSS esteve em Olivença.

O festival conserva a estrutura habitual, estando dividido em três partes, a Música, o Património e a Biodiversidade. Ao todo, deverão ser realizadas “mais de 40 atividades”, anunciou José António Falcão.

O município alentejano estreante, Sousel, vai apresentar, na área da biodiversidade, uma “cenoura que é única no mundo”, revelou Sara Fonseca.

O crítico musical Juan Ángel del Campo, responsável pela direção artística das últimas edições, reformou-se, “mas continua a ser um amigo do Alentejo e do Festival”, e teve o “apoio” da soprano Carla Caramujo. A partir de agora, “a direção artística está em aberto”, afirmou Sara Fonseca.

A escolha das Filipinas como país convidado resulta de um trabalho de aproximadamente 10 anos do festival com este país asiático, “o que vai permitir ir ao encontro não só de outros aspetos do património musical desse vasto país, com raízes sonoras muito diversificadas, mas também receber intérpretes de grande valor artístico”, declarou José António Falcão. 

Para Paul Raymun Cortês, embaixador filipino em Portugal, este é um “encontro de irmãos” e também a oportunidade de promover melhor a música e os artistas do seu país.

Cortês referiu as muitas ligações existentes entre os dois povos, desde logo a chegada de Fernão de Magalhães à ilha de Cebu, em 1521, onde faleceu, mas foi mais longe, relembrando as analogias entre o fado e a “kundiman”, música tradicional das Filipinas, que possui “os mesmos temas, estrutura musical e é tocada e soa de forma idêntica”.

A participação filipina no certame é assegurada pelo “mais famoso coro feminino do país”, Philippine Madrigale Singers, sob a direção do maestro Mark Anthony Carpio, o pianista Raul Sunico, os Song Weavers (Uivers) Philippines e um espetáculo de música e dança tradicionais.

Em Ferreira do Alentejo, a segunda etapa deste evento itinerante, vai realizar-se um desfile de moda filipina, ao longo do qual vão ser apresentados peças e acessórios reciclados.

A soprano filipina Antoni Mendezona, acompanhada ao piano por Nuno Margarido Lopes, abre o festival, neste fim de semana (dias 15 e 16), em Arraiolos, com um programa que inclui peças de Manuel Velez, Vianna da Motta, Ernesto Halfter e Francisco de Lacerda.

O cartaz artístico de 2025 conta com as presenças da Orquesta de Câmara de Siero, das Astúrias, na estreia no Alentejo dos “Royal Fireworks”, de Haendel, em Beja, sob a direção do maestro Manuel Paz, do Trio Bereson, do ensemble de Oviedo, do Coro della Farnesina, de Roma, constituído por vozes femininas; e do pianista checo Ivo Kahánek, que Falcão considerou uma “referência da música da Europa Central”.

O cartaz inclui ainda o ensemble italo-polaco Giardini di Delizie, composto por elementos femininos, do coro feminino Colleegium Musicum, de Belgrado, dirigido por Dragana Iovanovich, e o duo composto pelas violinistas Camille Bighin e Asilkan Pargana.

Entre os nomes portugueses presentes nesta edição do festival encontram-se a soprano Carla Caramujo e o ensemble La Nave Va, sob direção do maestro António Carrilho, a Orquestra da Costa Atlântica e o Ensemble Bonne Corde, dirigido por Diana Vinagre.

“O nosso objetivo é garantir uma temporada musical regular e qualificada ao Alentejo, algo que tem de existir em qualquer região evoluída da Europa; trata-se, no fundo, de um serviço público, que aqui apresenta a particularidade de assentar na sociedade civil, coisa de que nos orgulhamos, num país onde isso não é muito usual”, refere José António Falcão.

O responsável assinalou “a pequena equipa técnica de nove pessoas que dão o melhor do seu profissionalismo, mas tem também um apoio essencial em algumas dezenas de voluntários que, ano após ano, conferem estabilidade a uma estrutura que pressupõe” uma “vasta rede de parcerias”, que envolve “municípios, serviços descentralizados do Estado, freguesias, fundações, associações, misericórdias, paróquias, empresas e, cada vez mais, famílias”.

Assumindo a existência de dificuldades em anos anteriores para apresentar o festival nos vários municípios do Alentejo, Falcão concentra-se agora nos objetivos para o futuro: “Gostaríamos de poder continuar este trabalho e estendê-lo agora às crianças, aos jovens e às famílias, pensando sobretudo nas comunidades migrantes que têm vindo a estabelecer-se entre nós”, referiu, exemplificando com a colaboração da jovem pianista húngara Kinga Samogyi.

Outro projeto em consideração está associado às “questões relacionadas com o diálogo intercultural e inter-religioso, que a música deveras propicia”, destacando a colaboração do Centro Rei Abdullah Bin Abdulaziz para o Diálogo Interreligioso e Intercultural (KAICIID).

José António Falcão acredita que é possível que “a Música, o Património e a Conservação da Natureza iluminem um Portugal mais justo, mais responsável e mais solidário e, principalmente, que nos tragam a todos um pouco de alegria e estabilidade num mundo que aspira, acima de tudo, à paz”.

 

Fotografia de sulinformacao.pt