7 Julho 2022      10:56

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Fábrica Alentejana de Lanifícios: Um património vivo

António Carreteiro, Luís Peixe e Margarida Adónis e Mizzete da Fábrica Alentejana

Uma reportagem de Joana Casca

As mantas alentejanas, usadas inicialmente pelos pastores para se protegerem do frio, são hoje utilizadas como tapetes, colchas, malas e peças decorativas. Esta arte quase extinta, é já considerada um grande símbolo da cultura alentejana e é criada numa fábrica em Reguengos de Monsaraz.

Ao entrar-se na fábrica, os olhos fogem para as mantas coloridas que dão vida à oficina que perdura há mais de cem anos. O som dos teares enche o espaço e torna-se muito difícil ouvir qualquer outra coisa ou ter uma conversa, as lançadeiras movimentam-se de um lado para o outro, passando as cores por entre os fios do tear e os avanços começam a ser visíveis.

O processo de tecelagem é longo e são os pés que comandam o trabalho e a formação dos padrões através de uma sequência, “para onde levarmos os pés assim fica o desenho, são eles que decidem como é que o desenho abre e como é que se fecha”, conta Carmen Margalha, tecelã na fábrica há mais de 20 anos. A oficina alentejana ainda utiliza teares manuais que possuem mais de cem anos e a lã continua a ser a base de toda a produção.

Quando esta arte tradicional estava em risco de desaparecer, em 1978, Mizzete Nielsen, de nacionalidade holandesa, assumiu o negócio e deu-lhe uma nova vida. Administrou a oficina por mais de quarenta anos, introduzindo-lhe inovações aliadas à criatividade, que mantiveram a marca viva sem perder a sua essência.

Um novo começo

Em janeiro de 2020, a Fábrica Alentejana de Lanifícios, passou para as mãos de três sócios portugueses, amantes da tradição e da cultura alentejana. António Carreteiro, Luís Peixe e Margarida Adónis afirmam querer manter viva a herança cultural que lhes foi passada, preservando a qualidade, mas dando um toque de “contemporaneidade” aos produtos, para que possam chegar a mais pessoas. “Percebemos que para além do negócio tradicional das mantas, os tapetes e os objetos de decoração, era possível fazer outro tipo de produtos na área de decoração, e daí termos lançado os puffs, as malas e os abajures. Mantemos a traça original, que são os padrões e as típicas mantas de Reguengos, mas com cores mais modernas e mais inovadoras.”, refere Luís.

O investimento aconteceu em tempos de pandemia e, numa forma de se reinventarem, decidiram apostar na criação de um site de vendas online e numa nova sigla para a marca. É assim que surge a Fabricaal, que resulta da redução do nome original da Fábrica.

“Nós comprámos o negócio em janeiro e em março tivemos que fechar a loja que temos em Monsaraz. Fomos à procura de novos canais, abrimos logo loja no Marketplace Americano, o Etsy.com, que é muito especializado em tudo o que são produtos artesanais, isso abriu-nos logo portas para outros países e, entretanto, lançámos a nossa própria loja online, que nos tem ajudado imenso”, conta o sócio.

Mais jovens sem perder sabedoria

A fábrica ganhou modernidade nas mãos destes três sócios, mas a tradição manteve-se. “O processo é exatamente o mesmo, é tudo feito à mão, em teares manuais. Também mantivemos os funcionários que existiam anteriormente e já recrutámos mais três pessoas, o que demostra que o que temos vindo a fazer com a tradição das mantas e com os novos produtos tem tido uma boa aceitação, permitindo-nos crescer em termos de número de funcionários.”, declara Luís.

Nos dias de hoje, já é possível que os clientes contribuam para o processo criativo através da personalização dos artigos, o que faz com que muitas das peças produzidas se tornem únicas. “Há muitas peças que saem aqui da fábrica que nós só fazemos uma vez. É aquela peça, daquela forma, para aquele cliente, e, por isso, as peças acabam por se tornar únicas e é quase como se fossem uma obra de arte, esse é um fator muito importante para a marca.”.

Portugal é o principal país comprador da Fabricaal, mas a marca já chegou a clientes de mercados como a Alemanha, Itália, França, Holanda, Inglaterra e outros países. “O ano passado tivemos um projeto muito grande em Itália, um hotel comprou-nos uma série de peças”, conta Luís ao TA.

 É uma marca em expansão e, segundo um dos sócios, “no ano passado a exportação representou 25% do negócio.”

De acordo com Luís, este número representativo de exportação deve-se muito ao facto da região em que a fábrica se encontra, “nós temos a vantagem de estar num sítio que é altamente turístico e é um turismo de qualidade”. No entanto, o sócio confessa ao TA que a exportação não tem sido o foco principal da Fabricaal e que “os produtos têm chegado a outros países na base do passa a palavra, porque como esta é uma zona muito turística, as pessoas acabam por ficar a saber da existência da fábrica, visitam e muitas acabam por levar os produtos e dão a conhecê-los a outras pessoas, nós não investimos em comunicação, não investimos em marketing, o nosso veículo principal de comunicação é o Instagram”.

Nas mãos destes três sócios portugueses, a fábrica tem vindo a alargar horizontes. Em colaboração com outras marcas, têm vindo a introduzir novos produtos no mercado, que são uma oferta única. “Temos sido desafiados pelos mais diversos tipos de marcas. Temos uma parceria com a marca De la Espada, que faz mobiliário, para a produção de cadeiras, e com a marca Abat-Jours & Companhia para a produção de abajures forrados com os nossos tecidos”, Luís Peixe diz que estas parcerias que conjugam esta arte com outros produtos são uma mais valia para a marca e permite-lhes chegar a um público mais vasto.

O futuro da marca

Em declarações ao TA, Luís diz que ainda há objetivos a traçar, quer no que diz respeito ao reconhecimento da marca, em Portugal e noutros países, quer a nível de produtos. “Nós gostaríamos de fazer uma sala de formação para ensinar as pessoas a tecer, há muita gente que vem aqui com esse interesse. Queremos fazer workshops, para que as pessoas tenham a oportunidade de fazer a sua própria peça e pretendemos também criar um centro interpretativo das mantas, que conte toda a sua história”.

Os sócios estão recetivos a novos desafios e a novos produtos, querem levar esta arte, quase extinta, além-fronteiras, preservando aquilo que tem de melhor, o seu método de fabrico e os padrões tradicionais. O objetivo é promover o turismo industrial a partir de visitas à fábrica e que esta se enquadre no percurso turístico da região.

 A Fabricaal é a última fábrica no país a manter este património vivo, e as mantas de Reguengos de Monsaraz foram eleitas, pelo jornal New York Times, um dos últimos três ofícios manuais seculares existentes na Europa.

Os produtos artesanais da Fabricaal podem ser encontrados na própria fábrica, na loja que possuem na Vila de Monsaraz ou no site de vendas online. Além destes pontos de venda, há também uma série de lojas especializadas em decoração que vendem estes artigos tradicionais, de norte a sul do país.