14 Agosto 2018      08:34

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Desmesuradamente

Atendendo ao desafio lançado por um “amigo” do facebook (uma pessoa com perfil falso que, na minha opinião egocêntrica, terá a responsabilidade politica de me “controlar”) e ao facto de este ano, ter ardido parte da serra de Monchique, achei que poderia ser um desfio interessante falar sobre os incêndios em Portugal.

Importa desde já dizer que a minha licenciatura é em desenvolvimento rural e florestal e que, durante alguns anos, tive a responsabilidade, na câmara de Odemira, de substituir o Presidente nas questões da proteção civil, designadamente na dinamização da comissão municipal de defesa da floresta contra incêndios.

Desmesuradamente é o titulo do texto, mas também poderia ser “situação de elevada complexidade”. Escolhi este título em memória do que ficará dessa semana como exemplo e/ou sinal para o futuro: o jornalismo nacional bateu num fundo muito estranho que talvez importe olhar com atenção.

Dirão que é exagero, mas quando um jornalista da SIC (televisão nacional) pergunta ao ministro da administração interna se ele não acha que “uma preocupação desmesurada com as vidas humanas” poderá ter significado maior área ardida e/ou quando alguém aventa que da ação da GNR “…fica a ideia que se estão a violar direitos individuais para safar a imagem do governo…”.

Eu, neste momento, até estava disponível para perguntar quanto é que é preciso, cada um de nós, pagar para termos informação “despida da necessidade de sangue”? Mas, adiante… voltemos aos incêndios!

O risco de incendio está associado a duas condições macro: condições climatéricas; e comportamento humano. Relativamente às primeiras não vale a pena estar a explicar as questões associadas aos três trintas, apenas lembrar o que são: mais de 30 graus de temperatura; menos de 30% de humidade; e vento com velocidade acima de 30 Km/hora.

No comportamento humano incluo a criminalidade, a complexa estrutura florestal de hoje, as infraestruturas de atravessamento do espaço rural/florestal (estradas, caminho de ferro e transporte elétrico) e os comportamentos culturais da população (queimas e queimadas).

Não gosto de incluir nestas abordagens as lógicas associadas ao despovoamento e ao eucalipto por duas razões: porque sempre tivemos áreas marginais muito pouco povoadas onde sempre tivemos fogo (isto é muito importante de ser entendido); e porque estas duas questões geram uma densa cortina de fumo sobre a discussão que importa fazer sobre este tema.

Disseram alguns que não é obrigando (perseguindo) as pessoas e as entidades para elas limparem o mato e o pasto próximo das infraestruturas de atravessamento que se muda a cultura face ao risco de incendio. Eu discordo dessa opinião na medida em que entendo que se persistirmos (não desistirmos) nessa politica estamos a caminhar no sentido da mudança cultural que importa fazer. Teremos, aliás, a porta aberta a introduzir de forma efetiva outros conteúdos associados à prevenção no sentido de diminuir o desconhecimento da população face ao fogo (incêndios) até porque os fenómenos climáticos extremos vieram para ficar.

Discutiu-se muito o combate musculado com um forte dispositivo, mas julgo eu que é fundamental investir fortemente no conhecimento, na capacitação e nos processos de comando de todos os agentes do dispositivo de combate. São fundamentais, no teatro de operações, a linha de comando e a subsequente comunicação, mas é determinante que estejam disponíveis o conhecimento e as ferramentas que permitam descodificar o território e que permitam antecipar as ações a desenvolver no terreno que diminuam a intensidade do incendio até ao seu controle.

Discute-se muito a necessidade de um correto ordenamento do território e ainda se lançam cortinas de fumo associadas ao eucalipto e ao despovoamento, mas, julgo eu importava mesmo levar até ao fim a definição do cadastro nacional e, com base no território real (não é com base numa luta difusa entre conceitos difusos de litoral e interior), desenvolver modelos de pagamento dos serviços de ecossistema. Sei que parece estranho, mas é simples de explicar: as opções de uso de um determinado terreno (pode ler-se território) fazem-se com base no rendimento que esse terreno pode gerar. Se ele produz bens comuns importantes (sorvedouro de carbono, fruição paisagística turística, produtor de espécies e variedades raras que servem cadeias alimentares com interesse económico, etc…) então deve ser pago para continuar a produzir esses serviços e, quando (se) o mercado quiser pagar para esse terreno passa a fazer outra coisa, ser possível avaliar e quantificar quanto é que teremos que pagar (se o quisermos fazer) para que esse terreno continue a prestar serviços e produzir bens comuns.

Só para terminar gosta de deixar para memória futura que, no final do incendio de Monchique de 2018 que queimou 27 mil hectares (o de 2003 tinha queimado 47 mil hectares) e no meio de toda a exaltação sobre a preocupação e ação, dita desmesurada, da GNR em salvar pessoas, houve um homem simples (sentado em cima de um poial) que em resposta à pergunta de um jornalista sobre o que fazer agora, lhe responde de forma serena e simples: "agora é esperar mais uns 12 ou 13 anos até que venha outro incêndio".

 

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