13 Março 2016      11:44

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DEIXEM OS VOSSOS FILHOS BRINCAR COM BONECAS

"TEXTURAS"

O Dia Internacional dos Direitos das Mulheres ou o Dia Internacional das Mulheres, numa sociedade justa, nem sequer deveria existir. Mas, enquanto houver mulheres vítimas de desigualdade, tortura, abusos, assédio, escravatura, violência, mutilações, entre outros horrores, justifica-se a sua permanência.

Actualmente, comemora-se esse dia (e também se pode celebrar, pois é legítimo celebrar as conquistas), mas muita gente tem dele uma ideia superficial, que não corresponde em absoluto ao seu propósito original.

Assim, a referida efeméride, apesar de ter sido celebrada em variadíssimas datas, teve origem no dia 8 de março de 1857, dia em que ocorreu uma greve de trabalhadoras reprimida com violência numa fábrica de Nova-Iorque. Após essa data, foi comemorada a 28 de fevereiro (entre 1909 e 1913 nos EUA), 19 de março 1911 (proposta da Internacional Socialista) e 25 de março (1911), dia do incêndio que matou 140 trabalhadoras em Nova-Iorque numa fábrica de têxteis.

Em 1914, vários grupos de mulheres manifestaram-se contra a guerra no dia 8 de março e em 1917, no mesmo dia, começaram os levantamentos populares levados a cabo por mulheres, que acabaram por dar origem à Revolução Russa. Por fim, no sentido de instituir uma data consensual, a ONU em 1975 reservou o dia 8 de março para celebrar os Direitos das Mulheres e a Paz Internacional.

Na minha opinião, falar do dia dos Direitos das Mulheres (e não da Mulher) permite evitar dar ênfase a um paradigma cultural que veicula um ideal feminino demasiado preconceituoso para ser laudatório. Pois, falar das mulheres implica falar de todas as mulheres e permite-nos distanciar das ideias preconcebidas veiculadas pela sociedade do “bem” no que respeita àquilo que uma mulher “deve” ser.

A esse propósito, imagine, o caro leitor, que encontrei no dia 8 de março, nas redes sociais, posts que aludiam a questões meramente secundárias e ocas, estigmatizando a mulher, reduzindo-a à sua insignificância de boneca de porcelana e de flor de estufa, disfarçada de brava por sangrar durante vários dias e não morrer, por depilar-se da cabeça aos pés, por usar sapatos que magoam, por ter sempre as unhas arranjadas, sem mencionar a tragédia do verniz que estala e por (segurem-se bem…) ainda ter tempo para arrumar a casa. Aí confesso que tive vontade de chorar e escrevi, reescrevi e voltei a escrever um comentário, que acabei por apagar por não se coadunar com as normas de cortesia e educação.

Antes de continuar, só quero lembrar que os homens também se depilam, se arranjam e que, se for preciso, andam com roupa e sapatos apertados. Do mesmo modo, aproveito para deixar aqui a minha sentida homenagem aos hemofílicos do país.

Então é isso uma mulher? Um ser superficial que sofre para agradar aos outros e que ainda tem tempo para ter a casa limpa? Não…

Nenhuma mulher é mais mulher porque se veste bem, se maquilha e anda produzida.

Nenhuma mulher é mais mulher por ser feminina.

Nenhuma mulher é mais mulher por ser casada.

Nenhuma mulher é mais mulher por ser mãe.

Nenhuma mulher é mais mulher por levar uma vida casta.

Nenhuma mulher é mais mulher porque aguenta em silêncio a injustiça.

Nenhuma mulher é mais mulher porque educa os filhos sozinha.

Nenhuma mulher é mais mulher por ser guerreira, lutadora ou qualquer outro adjectivo de cariz bélico.

Nenhuma mulher é mais mulher por desempenhar funções tradicionalmente atribuídas aos homens.

Mulher é quem nasce mulher, desmentindo a tese de Simone de Beauvoir, na forma, mas não no fundo; as mulheres são heterossexuais, homossexuais, transsexuais, bissexuais, amarelas, negras, brancas, às bolinhas, mães, mães e pais, filhas, netas, gordas, magras, altas, baixas, fortes, vulneráveis, valentes, sensíveis, pintadas e por pintar, bem vestidas e bem despidas.

Porém, desde sempre, condicionando as mulheres e restringindo-as à sua função biológica e desresponsabilizando o homem da paternidade, se atiraram bonecas para os braços das meninas e se ofereceram carros aos meninos, para que umas se fossem preparando para vida doméstica e para a maternidade enquanto os outros se preparavam para tarefas mais activas fora do lar.

Estamos no século XXI! Deixemos de nos comprazer em tradições milenares ridiculamente obsoletas e deixem os vossos filhos brincar com bonecas!

 

Imagem daqui