14 Setembro 2020      10:38

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De que Teresa estamos a falar?

(Espelho) - Olá, faz tempo que não te vejo.

(Giuseppe) - Tenho estado ocupado com o casamento da Teresa em Fribourg.

(Espelho) - Uh, Teresa. Belo nome para uma filha. Como te ocorreu tal coisa?

(Giuseppe) - Em 1995, quando ela nasceu, gostei do nome porque o associei ao personagem de um livro e de uma cantora que me encantou. A mãe dela também gostou. Não teve qualquer inspiração religiosa.

(Espelho) - Oh sim, talvez até o filme de Wenders! Já tinhas Portugal em mente, ou o mito dele. O livro deixa-me intrigado.

(Giuseppe) - “As perguntas realmente sérias são apenas aquelas que podem ser feitas por uma criança. Estas são perguntas para as quais não há resposta. " - isto diz-te algo?

(Espelho) - Sim, Tomas disse: “Fazer amor com uma mulher e dormir com uma mulher são duas paixões que não só são diferentes mas quase opostas. O amor não se manifesta com o desejo de fazer amor (desejo que se aplica a um número infinito de mulheres), mas com o desejo de dormir juntos (desejo que se aplica a uma única mulher). "

(Giuseppe) - Bom menino! Ou porque sabes muito ou porque te lembras muito bem.

(Espelho) - Não tens meias medidas: ou me insultas ou elogias-me. Como se sente um pai quando a sua filha se casa?

(Giuseppe) - Eu senti-me velho e um pouco inútil.

(Espelho) - Bem, um pouco velho já és. Basta pensar na música que ouves. Não te culpo, porque essas sonatas de Schubert que me fazes ouvir há dois dias, são performances verdadeiramente lindas, cheias de emoção.

(Giuseppe) - Aquela foi e é uma pianista extraordinária. Sempre gostei de suas interpretações, principalmente de Chopin e Schubert. Gostei muito quando, há alguns anos, vi o vídeo da performance "errada" com Riccardo Chailly em Amsterdão em 1999: ela não se tinha preparado para o concerto de Mozart em ré menor, mas para outra peça, e não tinha com ela a pauta correta. Ela estava prestes a irromper em lágrimas. Chailly sabia como encorajá-la. Após um momento de pânico, ela fez uma performance extraordinariamente bela e sem o mais pequeno erro.

(Espelho) - Entre outras coisas, o El País publicou uma entrevista a esta pianista: "Competir, en el arte, se ha convertido en una enfermedad": 76 anos, com grande clareza de pensamento. Já estiveste em Belgais, Castelo Branco?

(Giuseppe) - Lá irei, mais cedo ou mais tarde, para ouvir música no Centro de Artes. As fotos que vi são maravilhosas. Muitas vezes o Centro hospeda artistas muito originais. Uma série de concertos de música de câmara foi planeada para a primavera passada, especialmente Schubert. No momento, o Centro está fechado, não sei se por causa do vírus da má sorte ou, como no passado, por falta de financiamento.

(Espelho) - Porém, quanto à música, se queres sair um pouco dos teus padrões mentais, há também  os Linda Martini, só para citar alguns, quando estás dinâmico, ou a Márcia quando estás calmo. Quando voltares das tuas férias em Pantelleria, traga-me  alcaparras e  vinho doce. Presta atenção no mar. Os teus amigos André e Rúben não estarão lá para te tirar de encrencas, como na praia do Malhão o ano passado.

(Giuseppe) - Não te preocupes, desta vez vou levar um pato de borracha insuflável, para as situações mais perigosas.

(Espelho) - Envia-me uma foto para eu ver isso!

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Nota do autor: A muitos tenho que agradecer desta vez, além daqueles que acabaram por ler o que estou a escrever: a Pedro Ayres Magalhães, Carlos Maria Trindade, Rodrigo Leão, José Peixoto, Fernando Júdice e Francisco Ribeiro (falecido em 2010), que formaram o Madredeus; a Teresa Salgueiro (deixou o grupo em 2007), uma voz e figura fascinante da época; a Ruediger Vogler que protagonizou com ela a inesquecível Lisbon Story de Wim Wenders: uma mensagem de esperança no valor expressivo das imagens; a Milan Kundera, cujo romance de 1984, A Insustentável Leveza do Ser, abriu uma janela para almas estrangeiras que imediatamente pareciam muito semelhantes à minha na época; a André Henriques, Cláudia Guerreiro, Hélio Morais e Pedro Geraldes dos Linda Martini, cujo Rock às vezes se deixa ouvir até por mim, Ana Márcia de Carvalho Santos, com seu violão e voz incrível e, finalmente, a Maria João Pires para o qual não tenho adjectivos. Aconselho-vos a assistir ao vídeo da execução "errada": https://www.youtube.com/watch?time_continue=146&v=CJXnYMl_SuA&feature=emb_logo

https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcS78JJtutoJ2NE4kKHnrMvfhKE8w24paLJbCA&usqp=CAU

https://observador.pt/2019/12/26/centro-de-artes-de-belgais-de-maria-joao-pires-dedica-ciclo-a-schubert-em-2020/

 

Nota do editor: Giuseppe Steffenino, natural do noroeste da Itália, está ligado a nós pela admiração que ele tem a Portugal e ao Alentejo em particular, onde, com a sua companheira, Manuela, foram salvos de um afogamento numa praia o ano passado. Aqui e ali a pandemia está a mudar a nossa maneira de viver e pensar. Esse médico com barba branca, apaixonado por lugares estrangeiros e um pouco idealista, interpreta esse tempo curvo, oferecendo-nos os seus sonhos, leituras, viagens, lembranças, pensamentos, perguntas, etc.