14 Fevereiro 2025      14:27

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Daniel da Silva e o Princípio da Inclusão-Exclusão

O contexto científico de Portugal no século XIX era caracterizado por um isolamento e atraso em relação ao resto da Europa, condicionado pelas limitações que os cientistas portugueses enfrentavam na comunicação com os seus pares no estrangeiro. Sendo a comunicação científica o alicerce do progresso científico, facilitando a disseminação de conhecimentos, a validação de resultados e a evolução através da crítica construtiva e da revisão por pares, os contributos e descobertas dos cientistas portugueses foram relegados, variadas vezes, para segundo plano devido à barreira linguística e à limitada e lenta interação entre cientistas portugueses e estrangeiros.

Um exemplo marcante do isolamento da comunidade científica portuguesa no século XIX é o caso de Daniel Augusto da Silva, cujas contribuições originais em diversas áreas da ciência não receberam o devido reconhecimento na época, sendo, até, indevidamente atribuídas a outros matemáticos.

Daniel Augusto da Silva (1814-1878), oficial da Marinha Portuguesa e professor da Escola Naval,  destacou-se como um dos matemáticos portugueses mais proeminentes do século XIX, deixando um legado significativo em várias áreas da Matemática. Um dos contributos mais notáveis de Daniel da Silva  foi a primeira enunciação e formalização do princípio da inclusão-exclusão, um método fundamental na Teoria dos Conjuntos, e no Cálculo Combinatório. Este princípio, apresentado por Daniel da Silva à Academia de Ciências de Lisboa em 1852, e publicado em 1854, é uma extensão do princípio aditivo básico de contagem. O princípio aditivo básico estabelece que, para conjuntos disjuntos (sem elementos comuns), o número de elementos da união desses conjuntos é simplesmente a soma do número de elementos de cada conjunto. No entanto, para conjuntos não disjuntos este método simples não é válido. Nesse caso, o princípio da inclusão-exclusão permite a correção da contagem duplicada dos elementos comuns a esses conjuntos.

Recorrendo à linguagem matemática, consideremos o caso mais simples em que apenas dois conjuntos estão envolvidos. Vamos designar esses conjuntos por A e B, expressar a união entre eles por A∪B, e recorrer ao símbolo # (cardinal) para representar o número de elementos dos conjuntos. Visto que o interesse da aplicação do princípio da inclusão-exclusão se refere a conjuntos não disjuntos, será ainda necessário considerar o conjunto formado pelos elementos que são comuns aos conjuntos A e B. Esse conjunto, que é a interseção dos conjuntos A e B, é matematicamente denotada por A∩B.

Assim,

#A é o número de elementos do conjunto A;

#B é o número de elementos do conjunto B;

# A∪B é o número de elementos do conjunto A∪B;

# A∩B é o número de elementos do conjunto A∩B.

Posto isto, quando aplicado à união de apenas dois conjuntos, o princípio da inclusão-exclusão pode ser expresso matematicamente  pela fórmula

#(A∪B) = #A + #B − #(A∩B)

Sendo A e B conjuntos com elementos em comum (conjuntos não disjuntos), ao adicionar o número de elementos de A, #A, com o número de elementos de B, #B, o total obtido inclui uma duplicação da contagem dos elementos comuns a A e a B, uma vez que estes elementos comuns são contabilizados em #A e novamente em #B. Sendo os elementos nessas condições traduzidos pela interseção A∩B, a subtração de #(A∩B), presente na fórmula, elimina essa duplicação da contagem dos elementos repetidos.

Na generalização da fórmula para múltiplos conjuntos (3 ou mais), surge uma alternância entre adições e subtrações para corrigir as contagens das interseções. Esta generalização foi a contribuição inovadora de Daniel da Silva.

Para três conjuntos, A, B e C:

#(A∪B∪C) = #A + #B + #C − #(A∩B) − #(A∩C) − #(B∩C) + #(A∩B∩C)

No caso específico do princípio da inclusão-exclusão, a problemática do isolamento científico de Portugal no século XIX emerge pela similitude entre a descoberta de Daniel da Silva e o trabalho do matemático inglês James Joseph Sylvester (1814-1897) que também trabalhou neste princípio, o que levou a que o princípio da inclusão-exclusão tenha, por muito tempo, sido atribuído a Sylvester. O próprio Daniel da Silva expressou a sua frustração com essa situação em 1877, lamentando o facto de o seu trabalho ter sido internacionalmente ignorado, apesar de publicado nas Memórias da Academia de Ciências de Lisboa. Só mais tarde, as evidências de que o trabalho de Daniel da Silva precedeu o de Sylvester em mais de duas décadas, possibilitaram a reposição da verdade e o reconhecimento de que a prioridade da descoberta pertencia a Daniel da Silva. Ainda assim, é comum o princípio da inclusão-exclusão surgir com a designação de fórmula de Da Silva-Sylvester.

O princípio da inclusão-exclusão surge em diversas formulações e tem aplicações em várias áreas, entre as quais a Teoria das Probabilidade. Nesta transposição para o domínio das probabilidades, o princípio da inclusão-exclusão é usado para calcular a probabilidade da união de acontecimentos. Obedecendo à mesma estrutura do princípio da inclusão-exclusão para conjuntos, na fórmula para a probabilidade da união de eventos as cardinalidades (#) são substituídas por probabilidades (P). Para o caso de dois acontecimentos A e B, a probabilidade da união desses dois acontecimentos é dada por  P(A∪B) = P(A) + P(B) − P(A∩B). Esta fórmula assume, frequentemente, a designação de Teorema de Daniel da Silva, e constitui um contributo importante para a Teoria das Probabilidades, auxiliando a tomada de decisão em situações complexas envolvendo múltiplos acontecimentos simultâneos.

Com o exemplo simples que se segue, e que ilustra uma aplicação do princípio da inclusão-exclusão, demonstramos a sua capacidade de simplificar a resolução de problemas complexos.

Pretendemos saber quantos números inteiros, entre 1 e 1000, são divisíveis por 5 ou 7.

Para tal, poderíamos enveredar por um caminho longo e demorado, e buscar a resposta através da identificação de cada um dos números inteiros entre 1 e 1000 que são divisíveis por 5 , identificação de cada um dos números inteiros entre 1 e 1000, que são divisíveis por 7 , e a contagem desses números, excluindo as duplicações.

Uma vez que não interessa saber quais são esses números, mas apenas saber quantos são, o recurso ao Princípio da Inclusão-Exclusão permite simplificar o processo.

Sendo

A={números inteiros entre 1 e 1000 que são divisíveis por 5} e

B={números inteiros entre 1 e 1000 que são divisíveis por 7},

a união entre A e B é

 A∪B={números inteiros entre 1 e 1000 que são divisíveis por 5 ou 7}.

Para determinar o número de elementos do conjunto A∪B, aplicamos o princípio da inclusão-exclusão

#(A∪B) = #A + #B − #(A∩B)

Os números divisíveis por 5 são aqueles que, quando divididos por 5 resultam num número inteiro sem resto, ou seja, são os múltiplos de 5, portanto, números da forma 5 x n, onde n é um número inteiro. Os números divisíveis por 7 são aqueles que, quando divididos por 7 resultam num número inteiro sem resto, ou seja, são os múltiplos de 7, portanto, números da forma 7 x n, onde n é um número inteiro.

Para calcular #A, ou seja, para saber quantos são os números da forma  5 x n  entre 1 e 1000, basta encontrar o maior valor de n tal que 5 x n ≤ 1000. Resolvendo esta inequação, descobrimos que há 200 números inteiros nessas condições. Analogamente, para calcular #B, ou seja, para saber quantos são os múltiplos de 7, entre 1 e 1000, calculamos quantos números da forma  7 x n  se encontram entre 1 e 1000. Resolvendo a inequação 7 x n ≤ 1000, descobrimos que há 142 números inteiros nessas condições.

É também necessário saber quantos elementos tem o conjunto dos números, entre 1 e 1000, que são divisíveis tanto por 5 quanto por 7, ou seja #(A∩B). Como um número que seja, simultaneamente, divisível por 5 e 7, é divisível por 35, ao resolver a inequação 35 x n ≤ 1000 calculamos quantos números da forma 35 x n, onde n é um número inteiro, existem entre 1 e 1000. Há 28 números inteiros nessas condições.

A quantidade de números inteiros, existentes entre 1 e 1000, que são divisíveis por 5 ou 7, é encontrada ao substituir os valores de #A, #B e #(A∩B) na fórmula do princípio da inclusão-exclusão

#(A∪B) = 200 + 142 – 28 = 314

 Portanto, há 314 números inteiros entre 1 e 1000 que são divisíveis por 5 ou 7.

 

Imagem de: https://dicionario.ciuhct.org/cientistas/s/silva-daniel-augusto-da/