19 Outubro 2016      12:15

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CURAR A DOENÇA DO PAÍS

Curar a doença do país com reformas, internacionalização e planeamento.

Estávamos em Abril de 2015 quando António Costa nos apresentou um grupo de economistas, liderado por Mário Centeno, que nos presentearam com uma proposta alternativa macroeconómica para o país, aquela que viria a ser a bíblia das ambições socialistas para os próximos 4 anos.

Cerca de um ano e meio depois, os dados disponíveis mostram um cenário económico bem diferente daquele que foi descrito pela candidatura do PS às legislativas. As projeções de crescimento seriam de 2,4% em 2016 e 3,1% em 2017, sendo que atualmente podem ser observados números bem mais pobres – 1,2% em 2016 e 1,5% em 2017. O investimento, grande motor económico por detrás do trabalho deste PS, crescia 7,6% em 2016 e uns generosos 8,4% em 2017. Na verdade, reparamos que o investimento irá cair 0,7% este ano. No consumo privado e na procura interna, outro pilar importante, mostrava que os gastos das famílias iam aumentar em 2%, mas dados atuais contam que este consumo desacelere 1,5% no próximo ano.

Poderia continuar bem mais que um paragrafo, mas a conclusão que está à vista de todos é que o atual cenário económico era uma ilusão, uma parca imagem completamente distorcida pelo cenário político – As negociações com aqueles que viriam a ser os seus apoiantes partidários, BE e PCP. Não se deixem enganar, não é mais um artigo de critica ideológica ao atual Governo. Esta é uma critica à própria conjuntura do país, aquilo que nos faz estar doentes, tanto em termos do crescimento como da gestão da dívida pública. Portugal está doente na era de António Costa tal como já esteve na altura de Passos Coelho, de José Sócrates e por ai em diante. O problema é sistémico.

Reparem que Portugal tem empresas e empresários muito bons naquilo que fazem, possuindo também uma aparente capacidade para ter indivíduos que se destacam em variadas áreas da sociedade a nível internacional. Ainda assim, o nosso sistema político, económico e fiscal, não nos permitem como um todo potenciar essa massa critica e vencer como país. Podem ser analisados vários exemplos disso, como verificaremos de seguida.

O nosso sistema não é de todo “business friendly”, qualquer que seja a área de atividade. No caso da inovação e tecnologia, Portugal é cada vez mais visto como uma nova hub europeia para startups, e há razões fortes para isso. No entanto, existe uma aparente falta de liquidez, de investimento e uma incessante dificuldade em escalar o negócio, aquilo que faz uma startup sobreviver. É um paradoxo. Uma das principais razões para isto, no caso das startups (e muitas outras empresas) é o nosso sistema fiscal. As startups não tem estatuto fiscal especial, participando no mesmo esquema fiscal que qualquer outra empresa, ou seja, começa a pagar pesados impostos mesmo antes de faturar. À partida, as nossas startups, que poderiam ser os principais elementos exportadores dos nossos produtos tecnológicos pelo mundo fora, estão coxas, e isso é bem palpável, basta analisar o numero de falências e a quantidade de investimento existente nessa área do tecido empresarial português. Os altos impostos sufocam sectores muito importantes como o imobiliário, turismo, o retalho ou a agricultura. A nível do imposto sobre os rendimentos, somos dos países europeus com os valores mais elevados, a par da Finlândia e da Grécia. Portugal tem impostos a mais para os serviços que presta. Estamos a sufocar ao mesmo tempo as empresas e a classe média.

Existe ainda outro diabo que nos limita, a falta de planeamento e a fraca cultura empresarial. A expressão “país das capelinhas” tem um fundo de verdade, aliás como todas as nossas expressões, como venho aprendendo. Para um país pequeno e com poucos recursos ter sucesso no mercado global há que juntar forças e partilhar ideias. O individualismo empresarial deixou de fazer sentido num mercado mega competitivo, que apesar de ter o tamanho de um mundo inteiro, trata-se apenas de uma aldeia, onde tudo e todos estão interligados num espaço temporal de segundos. Os empresários portugueses só tem a ganhar em participar em cooperação nos grandes mercados. Para que tal aconteça, as agências públicas como a AICEP ou o Turismo de Portugal têm um papel importantíssimo. Ainda assim, o que vemos são os próprios organismos públicos a organizar missões empresariais em separado para os mesmos sítios e em alguns casos com poucas semanas de diferença.

Há que perceber que a organização pública é o espelho da privada. Reparem na alocação de recursos da AICEP pelo mundo: 85 delegações pela Europa, onde a exportação e o investimento são muito facilitados pelos acordos da União Europeia. Apenas 20 delegações nas Américas, onde se inclui 7 no Brasil, 8 nos EUA e 2 no México. Apenas 20 delegações em África, com 4 em Angola e 5 em Marrocos. E finalmente, 22 delegações na Ásia e Oceânia, com 7 na China, 4 no Japão e 1 na Coreia do Sul. Podemos até discutir a falta de visão de estarem apenas 7 delegações no Brasil, um país de língua portuguesa e um BRIC, ou de termos apenas com 7 delegações na China, um mercado enormíssimo e cada vez mais aposta das empresas portuguesas, ou 2 no México, provavelmente a próxima grande potencia americana, ou então o aparente desprezo pelos países africanos da CPLP. Mas o que mais ressalta à vista são as 7 delegações na Polónia, 9 na Alemanha, 5 em Itália, 5 na Suécia, 7 na França ou 19 (!) em Espanha. Porquê este exagero na aposta na União Europeia e porquê este desequilíbrio em termos de suporte à exportação, se é fácil de verificar que exportar para a Espanha é muito mais simples do que exportar para a índia ou para o México. Não faria mais sentido ter uma maior presença em países com maior potencial e maior dificuldade para as empresas? É ridículo, mas existe só uma pessoa da AICEP a trabalhar em São Francisco, a capital mundial da inovação. Meus senhores, é este o planeamento que temos.

A nível de sistema político, nunca caí no discurso fácil da limitação do numero de deputados. Se olhármos a nível europeu, não existe uma média clara na relação do número de deputados e da população vigente de cada país. É uma aparente anarquia de mandatos. O que não é necessariamente prejudicial. Há sim que mudar o plano de participação dos cidadãos, reformando o sistema político para uma votação nos deputados/representantes e não no partido, libertando-nos da dependência político-partidária que suga a credibilidade do nossa democracia. O problema vigente no Parlamento não é de quantidade mas sim de qualidade. Ligar os deputados aos seus círculos eleitorais é criar mais responsabilidades para o lado do deputado e mais confiança do lado do eleitor. Se alguém quiser votar no Pedro Mota Amaral do CDS e no João Oliveira do PCP, qual é o problema?

Acima de tudo, Portugal tem de se desligar das políticas do “tapa aqui e destapa ali”, e apesar de concordar que em algum momento a divida deva ser renegociada, a sua gestão saudável só vai ser possível com um crescimento credível e com uma boa organização por parte de todos os intervenientes. A confiança cria-se, e sem esta, não há um investidor ou uma agência que se sinta segura em apostar em Portugal.

Na capa a "Prudência", estátua na frente do Palácio de S. Bento, Lisboa.