17 Fevereiro 2018      12:14

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COTONETES

A vida não era a mesma coisa sem cotonetes. Aqueles pauzinhos de plástico ou madeira, cobertos de algodão nas pontas são e sempre serão imprescindíveis. Esta é uma teoria minha que ando a desenvolver há algum tempo e passo a explicar porquê e como me ocorreu. Primeiro, segredam-nos ao ouvido coisas maravilhosas. Fazem-nos tremer quando nos contam algo mais aterrorizador ou nos fazem cócegas nos ouvidos. São os cotonetes. Numa palavra só. Cotonete.

A minha primeira interação e encontro com um cotonete foi há muitos anos, mas ainda me lembro das palavras trocadas. Segredou-me ao ouvido as histórias escondidas dos cotonetes. Ouvi, embora não percebesse ainda a língua cotonetal. Era bastante grande a bola de algodão. Disseram-me que era assim para não furar o tímpano. Na altura eu nem sabia o que era o tímpano, mas pensei, está bem. Pode ser assim. E lá tirei a cera.

Na segunda vez em que falaram comigo já mais crescido, já percebi melhor a história que me contavam. Fiquei curioso e quis saber a totalidade da história destes pequenos seres inanimados cuja vida é andarem a segredar coisas e a limpar os ouvidos das pessoas. Perguntei e tive resposta. Imaginais-me a falar com a ponta de algodão, não imaginais? Pois, falei e valeu a pena. O seu verdadeiro nome não era cotonete. Esse nome tinha sido inventado pela marca que os comercializava. Chamavam-se, além de serem cotonetes, zaragatoas ou suabes. Não tinham funções iguais mas eram aparentados. Ora, este cotonete, nascido com pontas de algodão, era fofinho e sabia contar histórias.

Antes, era rígido e feito de madeira. Não tinha flexibilidade nenhuma, o que não é bom porque há alturas na vida em que temos de ser flexíveis e saber aceitar as coisas como elas são. Um dia, porém, tudo mudou.

Em 1920, vivia na América, um polaco, de seu nome Leo Gersternzang. Um belo dia, a sua esposa estava a limpar o ouvido da criança bebé com um palito de madeira, cheio de algodão na ponte. Ao ver aquilo, o pobre polaco que se preocupava com muitas coisas, grandes ou pequenas e era, no fundo, um inventor, ficou em pânico com a possibilidade de o palito se partir e poder ferir o ouvido e furar o tímpano. Lá está, o tal tímpano que não é coisa com que se brinque. Era a segunda vez que ouvia falar no tímpano. Já me começava a familiarizar com o termo. Com isso e com outras coisas, como cera dos ouvidos. Pensei que eram só as abelhas que produziam. Ora, estava, de novo, enganado. Foram os cotonetes que me ensinaram isto. Aprendi imenso com eles. Criámos uma relação próxima, nós. Eu, os meus ouvidos e as duas pontas do cotonete.

Bem, regressando à história. O pobre Leo Gersternzang, em pânico e zangado, decidiu inventar uma coisa igual, mas flexível e, de plástico, criou uma haste flexível. Toda a gente ficou contente e o bebé, seu filho, que, mais tarde teria uma profissão e seria bom de ouvido, sorriu imenso. Não sei se das cócegas que o novo cotonete lhe provocava nos ouvidos ou se das histórias que as pontas de algodão lhe contavam aos tímpanos. Abria muito os olhos e sorria. A mãe ficou mais descansada e o pai entrou para a história como o inventor da haste flexível do cotonete. Eu próprio, ao ouvir a história de viva voz, contada por uma ponta de algodão, fiquei impressionado e sorri. Era jovem na altura. Durante um ano andei a contar a toda a gente que conhecia a vida dos cotonetes, até que as pessoas deixaram de me prestar atenção. Isso não me impediu de continuar a falar com cotonetes e a ouvir deles as histórias. É importante que, todos os dias da nossa vida, ou pelo menos de dois em dois dias, ouçamos as histórias que as cabeças de algodão têm para nos contar. Não só para enriquecer a nossa cultura geral mas essencialmente para ouvir melhor. Graças e eles, ouço até o barulho do vento quando não se mexe. Graças a eles, a cera continua a ser só coisa das abelhas. Impressionante, não é? O meu otorrino diz que não, mas isto foi um cotonete que me segredou…

 

Imagem de inhabitat.com