No último ano, assinalando os 50 anos do 25 de Abril, muito se tem escrito sobre a Revolução, a partir de diferentes perspetivas, através de múltiplas análises e sob diversas formas. Como foi possível que Portugal tenha vivido a mais longa ditadura europeia do século XX? Que razões estiveram na origem do Movimento das Forças Armadas e da decisão de pôr fim ao regime do Estado Novo? Como foi concebido o plano de operações a que se deu o nome simbólico de “Fim-Regime”?
Como decorreu a revolução propriamente dita? Quem foram os seus protagonistas, quais os momentos decisivos, e de que forma foi conduzida a operação que pôs fim a um regime com quase meio século de existência?
O que podemos aprender com o 25 de Abril? De que forma as ferramentas criadas nesse dia para construirmos uma democracia continuam a moldar o regime em que vivemos? E como, ao olhar para trás, podemos usar os ensinamentos desse momento histórico para reforçar a democracia que temos hoje?
É comum dizer-se que cada pessoa tem o seu 25 de Abril. Aquilo que é valorizado, ou ignorado, nesse dia tende, muitas vezes, a refletir a posição política de quem faz a análise. As várias “promessas de Abril” são evocadas consoante a perspetiva ideológica de quem procura legitimar a sua visão sobre o fim da ditadura.
Durante muito tempo, foi assim. Até que, nos últimos anos, começou a ganhar força uma narrativa que põe em causa o próprio Estado democrático. Uma tentativa de reescrever o 25 de Abril como o início de um regime imperfeito, ou mesmo ilegítimo, pelo menos aos olhos de quem, acredito, não tem consciência do que era viver sem liberdade de expressão, com prisões arbitrárias, com a mulher subjugada ao homem até para abrir uma conta bancária ou sair do país. Uma sociedade onde os que hoje dizem, sem pudor, “antes é que era bom” não poderiam sequer dizer o que pensam.
Mas não, antes não era bom.
É precisamente por isso que cada pessoa pode ter o seu 25 de Abril: porque tem liberdade para o ter. E só o pode ter porque a liberdade nasceu nesse dia.
Gosto de regressar às palavras do Capitão Salgueiro Maia, em pleno Largo do Carmo, quando respondeu a um repórter que lhe perguntou o que estavam ali a fazer:
“Estamos a fazer isto para que mais ninguém vá para o ultramar e para que mais ninguém seja preso ou tenha de fugir do país pelo que diz, escreve ou pensa.”
Muito já foi dito e escrito sobre o 25 de Abril. Foram analisados os factos, as motivações, as consequências e os protagonistas. Mas, neste momento, parece-me essencial destacar a coragem. A coragem de quem, naquela madrugada, saiu de casa sem saber se voltaria. De quem avançou com a operação sem garantias de sucesso. E de quem, ao longo de 48 anos, enfrentou censura, perseguições, prisão e tortura por se recusar a aceitar o silêncio.
Foi também preciso coragem para manter o controlo num momento decisivo. Para não ceder à violência e não perder de vista o objetivo: derrubar o regime sem mergulhar o país numa guerra civil. Essa capacidade de agir com firmeza e sentido de missão foi decisiva para o sucesso da revolução.
Hoje, perante os desafios que enfrentamos, com a democracia a ser posta em causa por discursos populistas, pela desinformação e pela desvalorização das instituições, é urgente recuperar essa coragem. Precisamos de coragem política e cívica para defender os valores de Abril. Porque sem essa coragem, corremos o risco de voltar ao dia 24.