14 Agosto 2021      06:56

Está aqui

A chaminé alentejana, o centro de uma cultura

Elemento fundamental nas casas tradicionais alentejanas, a chaminé representa um verdadeiro templo de contadores de histórias onde, por debaixo da sua abóbada e em ambiente de acalmia, as famílias se reuniam, particularmente ao serão.  Quer seja em casa ou no monte alentejano, a chaminé era o verdadeiro coração da habitação e localizava-se na tradicional cozinha. Local de grande importância, assumindo múltiplas funções.

Vulgarmente designada como “sala de fora”, era para a cozinha que boa parte das habitações abriam a sua porta principal. Sobre a sua relevância na vida quotidiana, também corroboram OLIVEIRA  & GALHANO (1992), “a cozinha, na casa do Sul,(…)  pode também considerar-se a divisão principal da casa, a um tempo cozinha, sala de estar, de trabalhar, onde se recebe quem chega de fora, etc”.[1]

Diz-se que o estatuto social influenciava o tamanho de cada chaminé. O que é certo é que todas elas apresentavam características invulgares (em comparação com outras regiões) e que as distinguiam das demais. Referimo-nos naturalmente a características, elementos e utensílios tipicamente alentejanos. Como é a “gerlanda” (pano que se apoia nas paredes laterais). A “tripeça ou burro” (banco) era outro dos elementos centrais.

Falar em chaminé e na socialização que nela brotava, é também relembrar os cheiros da lenha a queimar (diziam as pessoas mais antigas que nunca nos sentimos só quando o lume arde). É relembrar as lareiras com panelas de chão (barro) e o incrível cheiro das iguarias que dela saíam. Sempre com a água a aquecer, e pronta para qualquer eventualidade, “esta era a água para fazer café, as refeições e até para lavar a loiça”.[2]  É relembrar o cheiro dos enchidos que, em local onde o lume não chegava, estavam pendurados pelo fio numa estaca de ferro. Era este, um tipo de “carne fundamental numa época em que apenas o fumeiro e a salga conservavam os alimentos”.[3] Linguiças, paios e chouriços eram ali “curados” do Natal até ao “Entrudo” (Carnaval).

No seu aspeto exterior, a chaminé alentejana pode ter forma cilíndrica, quadrada ou rectangular, apresentando também  uma grande riqueza decorativa. Em Mourão, podemos contemplar um notável número de chaminés cilíndricas, sobre o qual Túlio Espanca sublinhou o seu carácter “absolutamente diferenciado das do Alto Alentejo”.[4] Por outro lado, em Alcarias (concelho de Ourique), encontramos os enigmáticos cata-ventos no cimo das suas chaminés. O uso deste elemento, ainda pouco estudado, representou primitivamente o poder religioso e temporal. Posteriormente, já com funções de orientação agrícola.  Aos nossos dias, como mera função decorativa.

Das suas origens mais primitivas, é no Alentejo que encontramos as célebres ” Chaminés de Escuta”. De escuta porque, “supostamente quem está dentro delas pode ouvir as conversas de quem está na rua”, (FARIA, 2017).[5] Ainda segundo o mesmo autor, “nas chaminés de escuta encontramos as datas mais antigas que nos chegam de final do século XVII. A chaminé de escuta tem base e tronco prismático rectangular. A saída dos fumos é coberta com diferentes construções em telha. Nos panos verticais laterais e frontal (virado para a frente da casa) encontramos os nossos símbolos de protecção”. Eram estes símbolos de protecção utilizados pelo medo do desconhecido. Todos eles, variavam conforme as épocas, culturas e respectivas crenças. Segundo o exaustivo estudo[6] do Historiador Luís Lobato de Faria, as Rosetas Hexapétalas; a Cruz Latina; o Nó de Salomão; o Pentagrama e as Suásticas Lauburu, são alguns dos exemplos mais representativos desta arte.

A chaminé alentejana, com a sua primitiva função e decoração, é um bem único e que urge proteger. A sua salvaguarda passa inevitavelmente pelo seu estudo e divulgação.

Imagem de capa de alentejoturismo.pt