3 Dezembro 2022      17:31

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As cantigas que trauteamos

Era pequenino. Novinho e já ouvia e tentava imitar as cantigas que ouvia trautear. É um verbo bonito e diferente. Nunca tive muito, diria nenhum, sucesso nas minhas tentativas de imitação a cantar. Até ao dia de hoje, e isso não mudará certamente enquanto eu viva. Também, não sei quanto tempo vou viver. A nossa duração física e carnal é sempre uma incógnita. Houvera uma bola de cristal e certamente muita gente a usaria para descobrir o seu tempo nesta terra.

Eram cantigas tão bonitas, momentos melódicos que nos soam na ideia, ao longo dos anos e ao longo da vida. A mim, desde sempre me deslumbraram os sons… as melodias, a sabedoria contida dentro de cada ritmo e dentro de cada letra.

Infelizmente, eu nunca soube cantar. Nunca tive essa parte do cérebro afinada. Gostava de ter essa capacidade, mas não tenho. Agora, ouvir e conhecer, isso conheço! Sei as letras de cor, como dizem os falantes de inglês, by heart. Sei pelo coração, especialmente a modas alentejanas. Aquelas com que nasci. Essas são as minhas preferidas, com todo o respeito e admiração por todas as outras. As músicas do Alentejo, aquela em que a romã foi apanhada, em que o passarinho cantou, quando fui à fonte beber água, as meninas da ribeira do Sado, e todas, mas todas mesmo em que o Alentejo está sempre na letra e no ritmo.

As cantigas eram, sempre, parte de qualquer trabalho. Ajudavam as mondadeiras a mondar o arroz, davam alento na ceifa, debaixo do sol que nós no Alentejo tão bem conhecemos. A sombra da azinheira é não só na letra, é nos dias de calor o oásis que nos preserva. As cantigas são, nos trabalhos duros do campo, o trautear que faz mexer os ânimos que alimentam os corpos.

Não sei cantar com ritmo, não sei ler notas musicais, embora tenha tido ótimos professores de música. Mas sei que as cantigas alimentam e hidratam a alma, como o pão e a água, neste dia e nos dias de frio e de calor.