12 Novembro 2022      12:27

Está aqui

A caneta cuja tinta nunca terminava e a vela que não se apagava

Na mesma sala, em cima de uma secretária velha e abandonada, estavam uma vela ainda acesa, que parecia não ter fim e, ao seu lado, uma caneta que tinha escrito uma vida inteira. E era uma caneta que ainda assim continuava a ter tinta. Já não era usada mas existia ainda, tal como a luz daquela vela que não se apagou com a solidão. As coisas, os objetos quando deixam de ser usados, perdem a sua utilidade e, salvo aqueles que os utilizaram alguma vez, ninguém se lembra para que serviam.

Embora todos saibamos para que servem as velas e as canetas, numa sala vazia e abandonada, para nada nos são úteis.

A vela teimava em manter-se acesa, portando consigo a esperança, talvez, de que um dia a sala voltasse a ter a presença de alguém que a apagasse à noite e, no dia seguinte, a acendesse, renovando o seu propósito. Durante muitos anos, um homem tinha-se sentado na secretária. Começara por ser um jovem, cheio de energia, que enchia a sala de música , passando a um homem e, pela lei natural, um idoso cuja idade e a luz aos poucos foram diminuindo e, um dia, se extinguiram.

Sempre sozinho naquela que era uma exímia sala, mas ao mesmo tempo todo o seu mundo, a vela e a caneta ajudaram-no a rodear-se das mais diferentes pessoas, animais, plantas, oceanos, céus. Parecia infinito esse mundo. Um mundo feito de uma só porta e de uma só janela.

Nem a vela nem a caneta imaginavam o que ia para além da porta ou da janela. Não tinham conhecido ninguém a não ser as figuras imaginadas pelo homem, na mão, através da caneta e iluminadas pela vela.

Estranharam, por isso, o dia em que a porta não se abriu e a mão do homem não agarrou na caneta para começar uma nova página e um mundo novo. A vela que, por engano ou coincidência e destino, tinha ficado acesa durante a noite, parecia encantada e não chegar ao fim do seu ciclo de vida.

A mesma coisa tinha acontecido com a caneta que tinha acompanhado o dono da sala, atrevo-me a chamar-lhe escritor, pensador, cronista, filósofo, cuja tinta nunca se tinha esgotado.

Se por um lado, faltava à vela um sopro para lhe dar o merecido descanso e o rejuvenescimento, por outro faltava à caneta uma mão que lhe desse uso e a manuseasse em danças cronometradas, numa folha de papel.

Se as máquinas facilitam a vida, a necessidade de ter esse elemento humano que as ligue e desligue, que as programe, é indispensável. O mesmo se aplicava àquela vela e àquela caneta. Uma queria descansar e a outra queria trabalhar.

No fundo, todos nós somos como elas. Metade de nós, constantemente em ação, acordados, queremos descansar. Fechar os olhos a ouvir o barulho da chuva, que alimenta os terrenos, e sonhar com mundos que não são o nosso. São melhores. E quando os mundos que vemos são piores, a esses chamamos pesadelos. Em todos eles há um elemento conhecido. Acredito que esse é guiado pela vela que não se extingue.