24 Maio 2020      10:14

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A Caixa de Pandora

“Pára. Pára de tentar. Pára de esconder o sofrimento e as frustrações debaixo da tua almofada; é lá que descansas a tua mente e onde os teus pensamentos sonham”. Sou a que tudo tem e a que tudo tira. Hesíodo fala sobre mim, e diz: “Dela vem a raça das mulheres e do gênero feminino / dela vem a corrida mortal das mulheres / que trazem problemas aos homens mortais entre os quais vivem, / nunca companheiras na pobreza odiosa, mas apenas na riqueza”.

Deixa ir. Não me odeies. Deixa-me ir. Se tudo é como tu dizes, essa tua próxima tristeza também passará. Ultimamente, tenho andado a brincar às escondidas comigo própria para tardar, um pouco mais, o descobrimento de quem sou. Eu destruo-me para me encontrar. Não irei mais fabulizar os acontecimentos da minha pele; não esperes que romantize as minhas dores, jamais. Corto o mal pela raiz. Crescer depressa é isto. Por favor, deixa-me ir.

É de noite, e o medo chega; o medo acompanha-me e já não sei como te explicar, outra vez, o medo indomável que sinto. Estou a definhar. Preciso de uma conversa, mas tu não compreendes. Sinto-me sozinha, mal consigo respirar, mas tu não notas. Deixa-me ir. Isto nunca mais acaba; terá, realmente, um fim? Por favor, ajuda-me, como é que algo que está destruído fica bonito de novo? Estou a definhar. Sinto-me incorrigível e desacreditada, e eu sei que isto não é uma fase, pois acontece a toda a hora.

A humilhação causada pelo peso insuportável de algo que não se vai embora são como mãos à volta do meu pescoço. Sepulta-me juntamente com as feridas incicatrizáveis que ficarão para sempre no meu corpo e com meus erros (in)cicatrizados, corretos e incorretos, mas não me beijes a alma porque não mereço ser absolvida. Deixa-me ir. Não me beijes a face. Não me toques, jamais. Caí no fundo, outra vez. Desapareci, mais uma vez. Crescer depressa é isto.

Estou a contar as palavras mortíferas que ela grita dentro da minha cabeça. Perdi a fala, de novo; já podes dizer aos teus amantes para afiarem os dentes e as facas. O cheiro da terra molhada está a vandalizar a minha mente, e já não me resta absolutamente nada. Não sei o que fazer nem a que sou permitida a pensar. Arrependo-me de ter crescido depressa e de ter perdido a inocência e a coragem.

Já perdi a coragem, como dizer que sei que é tarde demais? Já sei que é tarde demais, mas como explicar-te isto através das minhas palavras? Como fazer com que entendas? Como fazer com que pares de ignorar e suavizar a minha dor? Quem me dera que, um dia, não fosse tarde demais, mas a verdade é que já é. Hoje já é tarde. Todos nós, ao longo do tempo, temos vivido como pseudónimos porque fazemos coisas que não podemos revelar. Tentamos arduamente não nos meter em desastres e sofrimentos, mas temos guerras dentro de nós que, de alguma forma, não nos deixam seguir em frente e revelam, definitivamente, que somos um caos. Arrependo-me de ter crescido depressa e ter perdido a inocência e a coragem.

Tudo em mim é em excesso e, apesar de me orgulhar, não consigo lidar nem viver mais com isto. Atribuam-me um desconto. A última coisa que gostaria de sentir seria um abraço caloroso e a felicidade a sair pelos meus olhos e a molhar a minha face; mas só há tristeza, não há solução. Estou a gritar. Estou a pedir ajuda. Não estou a fazer nada. Estou a fazer muito. Dói-me a garganta. Estou a sorrir demasiado. Quantos mais silêncios ensurdecedores serão necessários? Agora, mais nenhum. Digo-te já que, crescer depressa demais é, e não desculpo a linguagem aos ignorantes, uma bela merda!