31 Agosto 2019      14:51

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C - Cambada de erros crassos

O cigno do Cidónio era Caranguejo. Tudo nele condizia. Andava de lado, em vez de andar em frente. Não porque fosse tropo ou coxo, mas era mesmo assim o Cidónio. O nosso personagem dizia que tinha nascido na cidade de Coimbra (só porque começa em C...) mas, na realidade, ele nasceu em Cetúbal, no ano de 1926. A vida nessa altura não era nada fácil, custava começar uma vida e concentrar as coisas num caminho como a vida no campo. Cidónio cresceu contente, ignorando a cambada de erros crassos (ou nem assim tantos) que seria a sua vida.

Começaram esses erros por comprar um rebanho de cabras com catorze anos. Não imaginava nessa altura o que lhe traria de amarguras ser cabreiro na adolescência. Nesses dias, verdade seja dita, ninguém sabia muito bem o que era ser adolescente ou viver esses anos conturbados da adolescência.

O segundo erro crasso de Cidónio foi casar muito cedo com Caetanita. Tal como o nome já denunciava, Caetanita nunca deixou de ser nita, nem coitada. Assolapada por doenças e queixumes, Cidónio ouvia as cabras de dia a queixar-se por falta de pasto, e a partir do lusco-fusco, as queixas da mulher sobre as cabras, sobre as dores, sobre o seu dia em geral. Tudo era específico, tudo era concentrado na letra c. Andava sempre cansada, doíam-lhe as costas, tinha muitas coisas para fazer e a cozinha, o coser das roupas e cozer o pão, faziam a vida do casal numa carrada de nervos... muitas vezes Cidónio pensava que o melhor seria ter ficado solteiro ou nunca ter casado. A castração nunca lhe passou pela cabeça.

O terceiro erro crasso de Cidónio foi dizer a Caetanita e fazê-la acreditar que cantava como uma criatura excepcional. E isso era mentira e complicado. A mulher cantava como uma cana rachada e Cidónio, que também se achava mestre da concertina, era uma gaita a tocar aquele instrumento.

O casamento não funcionava mais. Até as cabras centiam, o centeio já não crescia e cada dia, as ansiedades mais cresciam no casal. Já não partilhavam a cama, mas o divórcio não tinha sido inventado. Cá e lá, em Cetúbal ou Coimbra, na Caparica ou em Cascais, seriam infelizes e não menos casmurros.

Cidónio vendeu as cabras e Caetanita emigrou para Cevilha. Continuaram casados mas cada vez menos tiveram contacto, até ao dia em que os caixões substituíram as camas de solteiro. Acabou a história nesse dia, dois de diferença de um para o outro... Cidónio foi primeiro e Caetanita chorou quando soube, mesmo antes de morrer. Fim do conto.