26 Abril 2020      11:14

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Autosabotagem

Desconsidero qualquer tipo de saudação para esta redação, pois não cumprimento quem não é correto e já saiu de mim há muito tempo; e também porque é particularmente difícil para mim escrevê-la, e ainda tive de consumir uns sete cigarros antes de me iniciar. Aviso, desde já, para teres cuidado sempre que lês as minhas palavras, porque estás a vestir a minha alma sufocada, mórbida; espero que saibas como utilizar tal vestimenta. Eu dispo-me para todos vós sempre que escrevo. Decomponho-me sempre que vos escrevo. Suplico um enorme respeito, porque já sei que se o pedir não mo vão dar.

Atualmente, só conseguimos o que queremos se nos ajoelharmos perante o objetivo e implorarmos por ele.

Há alguns anos, interiorizei, finalmente, o que sempre me viriam a dizer: «O mundo pode ser um lugar nojento e horrível, matar um pequeno pedaço de ti todos os dias e virar-te do avesso, mas tu não tens de o permitir. Não rasgues quem faz o teu sangue verter. O teu sangue não é sujo, as mãos imundas que te tocaram é que são. Tu não fazes parte do padrão incutido na sociedade». (Confesso que demorei cerca de 5 anos para compreender).

Hoje, aos não sei quantos anos de idade, após muitas bebidas, muitas lágrimas e muitos vícios, tomei a decisão de falar dos acasos que entraram na minha vida, arruinando-a. E saíram dela, deteriorando-a ainda mais. Convençamo-nos, por favor, de que nem todas as pessoas que nos fazem sorrir são para nós e para o nosso bem. Nem todos os indivíduos têm um bom coração e uma alma bonita; nem todas as pessoas são saudáveis para nós enquanto seres que aspiram um constante progresso. A genuinidade não corre nas veias de todos. A toxicidade mete as mãos à volta do nosso pescoço, não nos conforta e enche-nos de culpa irreal, e finalizemos já este ponto. Temos sido obrigados a passear pela estrada da vergonha e abraçamos a difamação que nos é feita por corpos que já estiveram presentes no nosso percurso, e não aceitaram uma ida sem volta. Jamais andar de mãos dadas com a humilhação que nos entregam maldosamente; e que todas as justificações coagidas que tenhamos de dar a quem amamos sejam completamente abolidas, pois os nossos amores não têm culpa daqueles que resolvem fabulizar a ligação que houve.

O que será, então, viver diariamente dentro da dúvida de todos aqueles que queremos perto de nós? Custa. Mas qual será o preço? Uma constante mudança que nos deixa insanos. A ansiedade e o medo de olhar em frente, porque ao mínimo sinal de felicidade receamos que tudo conspire contra os nossos olhares fiéis. Receamos que seja tudo igual ao passado. Mas o passado não existe, e o tempo não é real; já não.

Antecipo-me e digo que, não sou como tu. Não somos como tu. Não somos como vocês. Não precisamos de falar para sabermos quem realmente somos. Não somos infelizes. Não preciso de falsos depoimentos, porque sinto-o na pele; tal como tu o sentes, tal como nós o sentimos. Será muito difícil para os demais deixarem as vidas prosseguirem? Cada um dá e deseja o que tem e eu, neste momento, só vos consigo desejar força e demasiada empatia para conseguirem endireitar o vosso sentido pelas próprias mãos, não afetando o próximo. Jamais deixarei que apaguem a minha chama apenas porque a vossa não é tão grande e calorosa como a minha. Não desculpo as minhas palavras. Os meus silêncios são invisíveis; não se leem. Jamais quero perder esta minha sensibilidade em relação a tudo; jamais quero perder a minha empatia. Tudo me afeta. Toda esta sensibilidade me corrói. Não me sinto a mim; mas, pelo menos, sinto os outros.

Nem sempre somos capazes de aguentar com o mundo inteiro nas nossas costas enquanto nos esmaga o coração. Talvez peça perdão a mim própria por já ter passado por muito e pelo que não devia. Somos pequenos. Somos grandes. Somos importantes. Somos insignificantes. Somos amáveis. Somos selvagens.

Já não me temo. Já não te temo. Já não temo os deuses. Já não temo a morte. Já não temos os erros e pecados. Temo a raça humana. Loucura é achar esta merda normal. Que porra de existência tão inexistente...

 

 

Natural de Reguengos de Monsaraz, Beatriz Velez tem 17 anos e estuda Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Escritora desde os 13 anos, amante dos animais e da Natureza.