8 Setembro 2018      14:08

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A apanha da azeitona

Gosto de tibornas. Das melhores coisas que me podiam dar, quando era ainda muito jovem, era o pão acabado de sair do forno molhado em azeite. Que delícia o azeite a escorrer pelos beiços abaixo. E a crosta do pão alentejano, por dentro ainda mole e a fumegar, fazia um barulho estranho e ao mesmo tempo intrigante quando os dentes os trincavam. Recordações da infância, do pão, do azeite, dos fornos, das oliveiras e das azeitonas.

Dessas azeitonas tenho grandes memórias. De todas as que comi até hoje. Falemos pois de oliveiras e azeitonas. Começo por me lembrar daquela canção alentejana “Quais, quais, oliveiras, olivais, Pintassilgos, rouxinóis, Caracóis, bichos móis, Morcegos, pássaros negros, Tarambolas, galinholas, Perdizes e codornizes, Cartaxos e pardais, Cucos, milharucos, Cada vez há mais”, cantada agora pelo grupo Tais Quais. Os pássaros conheci todos em alguma altura da minha vida. Quanto tempo passei a observá-los… caracóis e bichos móis também. Saudades.

Da apanha da azeitona não tenho grandes saudades quando tinha de apanhar as azeitonas mas também nunca apanhei muitas. Todos os anos, a apanha da azeitona marca um momento no Alentejo, de cima abaixo. Cordovil, verdeal, cobrançosa e galega, sendo que a minha preferida é a galega. Apanhavam-se de todas. As oliveiras, desde o candeio até ao tempo em que começavam a cair as azeitonas no chão.

O dia no tempo da apanha da azeitona começava cedinho, ainda quase antes de nascer o Sol. Estendiam-se os oleados debaixo das oliveiras, nos vales onde elas se dispunham. Varapaus na mão e começavam os homens e as mulheres ao ritmo das cantigas a bater nas oliveiras. Aquilo que podia parecer uma tarefa dificílima tornava-se uma festa. As árvores abanavam ao som da música e dançavam uma melodia que alternava entre a valsa e o hip hop. E as azeitonas iam caindo em cima da lona. Pareciam gotas de chuva em forma de azeite que havia de ser, na sua grande maioria, a cair no chão. Era o barulho, este, de uma chuva de granizo em cima de uma chapa de zinco.

E as cantigas acompanhavam o ritmo. Era altura de escolher as azeitonas das folhas que com elas caíram. Era tempo de por essas azeitonas em sacas de serapilheira, de as pôr em cima do trator e de as levar até ao armazém e, do armazém, ao fim de uns dias, até ao lagar. Era preciso que todas as oliveiras tivessem já dançado, que tivessem já sido despojadas do seu fruto. Em ano bom, cada uma das oliveiras daria um bom par de sacas.

Nem todas as azeitonas chegariam ao lagar. Algumas delas ficariam em nossa casa e seriam pisadas, cortadas ou britadas, postas em largos potes com orégãos, limões, alho e outros preparos. As azeitonas serviriam para acompanhar o presunto, os chouriços e a carne do lombo. As azeitonas serviriam para dar gosto ao pão e ser comidas ao lado do cozido de grão e do jantar de couve. As sopas de tomate e as sopas de batata também agradecem o acompanhamento. Mesmo que não seja isso, um tomate com sal igualmente pede azeitonas.

Era assim o seu percurso de existência e transformação. Aquelas que não ficavam nos potes, lá iam para o lagar, passar pelos tornes e transformar-se em azeite. Esse ou outro havia de voltar à casa de onde saíram as sacas de serapilheira e também elas acompanhariam as refeições. E as tibornas, com aquele pão quentinho que me avivou a memória. No fundo, tudo isto para dizer o quanto gosto de azeitonas e o quanto a sua existência, o seu processo de transformação me alegra a mim e a tantos outros que partilham desta opinião.

 

 

 

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