30 Agosto 2019      12:21

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A Amazónia não é de esquerda nem de direita

Um dos piores inimigos das democracias atuais é esta divisão simplista, pueril e ultrapassada de esquerda/direita, aliada ao ódio, cegueira coletiva e alienação que provoca. Não discutimos políticas, não analisamos resultados nem consequências, é tudo visceral e nada racional, é bom porque é de esquerda e mau porque é de direita, ou vice-versa, dependendo da pala que cada um decidiu vestir. Não conseguimos andar em frente, porque todos queremos andar para o lado, cada um para o seu lado.

Esta divisão futebolística da política é fomentada por quem tinha a obrigação de ser mais responsável, políticos, comentadores e jornalistas, e atinge o expoente nas discussões das redes sociais. A última vaga de incêndios na Amazónia foi um exemplo acabado desta vergonha coletiva.

Quantos de nós ficaram a saber que a atual administração brasileira reduziu o orçamento do ministério do Meio Ambiente em 187 milhões de reais? Que só no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) o corte foi de 89 milhões? Que no programa PrevFogo o corte foi de 50%? Que o serviço florestal brasileiro foi transferido do ministério do Meio Ambiente para o ministério da Agricultura? Que foram ignorados todos os alertas de incêndio enviados desde janeiro pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)? Que foi instalado um sistema que alerta antecipadamente os locais onde haverá fiscalização? Que o número de incêndios aumentou 82% em relação ao mesmo período do ano passado? Que os fazendeiros do estado do Pará promoveram pelo whatsapp o dia dez de agosto como “o dia do fogo”?

Mas também não ficámos a saber que as Nações Unidas propõem que os países desenvolvidos paguem ao Brasil trinta mil milhões de dólares pela manutenção da Amazónia, para compensação pela emissão de gases de efeito estufa e consequentes alterações climáticas de que são os principais responsáveis. Nem que a França, a maior potência agrícola da União Europeia, já antes tinha mostrado resistência em relação ao acordo UE-Mercosul, por temer a concorrência e a perda de quase cem mil milhões de euros de subsídios agrícolas, e que agora instrumentaliza os incêndios na Amazónia para atingir indiretamente o seu objetivo.

Não, o que ficámos a saber foi que “não foi o Bolsonaro que colocou fogo na mata!” e que “no tempo do Lula a floresta também ardia”. Que “os esquerdalhos têm azia” e que “os direitolas querem queimar tudo para ficar ricos”. Teimamos em não ir para além disto.

Este nosso défice racional coletivo reflete-se nos líderes que elegemos. Um inconsequente Macron, que questiona a soberania do Brasil sobre a parte da Amazónia que faz parte do seu território, ressuscitando Margaret Thatcher e François Miterrand. E um ignóbil Bolsonaro, que acusa as ONG ambientalistas de atearem fogo na floresta, que nega todos os dados científicos que lhe apresentam, e, cereja no topo do bolo podre, que se ri online da aparência física da mulher do presidente da França, numa postura de chefe de Estado ao nível de uma criança de cinco anos.

A política não deve ser como o futebol, em que continuamos a dizer que o Benfica é o maior, mesmo quando perde rotundamente. Bolsonaro não é mau porque é de direita, como Lula não foi mau por ser de esquerda. Ambos foram e são maus porque envergonham a imagem do Brasil no mundo e, principalmente, porque prejudicam com a sua ação política o desenvolvimento e o bem-estar coletivo do povo brasileiro.