22 Maio 2025      12:50

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A Alegria da Resistência

 

Há pessoas a quem voltamos quando os tempos nos parecem mais sombrios. Pessoas que,  sem o saberem, nos servem de azimute num contexto que nunca antes navegámos. E,  embora a coerência na vida seja talvez o desafio mais difícil (afinal, todos estamos  sujeitos à condição humana), o exemplo dessas pessoas torna-se um ponto de orientação  e de esperança. 

Se ainda estão entre nós, a sua presença é, por si só, motivo para reforçar a crença na  decência do mundo. 

Escrevo, por isso, sobre Manuel Duarte, ou, como é amplamente conhecido, Manuel  Alegre. 

Poeta. Escritor. Político. Resistente ao Estado Novo. Uma vida que parece conter várias,  desde a militância estudantil em Coimbra à guerra colonial, passando pela prisão, o exílio  na Argélia e, mais tarde, a sua intervenção política em democracia, incluindo duas  candidaturas à Presidência da República. 

A escrita acompanhou-lhe todos os passos. Dela nasceram alguns dos poemas que ficaram  gravados na nossa memória coletiva de resistência, como A Trova do Vento que Passa,  musicada por António Portugal e eternizada na voz de Adriano Correia de Oliveira. 

Alegre é símbolo da resistência. Do exílio sem data marcada para o regresso, mas com a  pátria sempre no horizonte. 

É o exemplo de quem luta, mesmo sabendo que a derrota é provável, porque há valores  que se sobrepõem ao medo e que exigem ação, que não consentem a imobilidade. 

Com a sua poesia, foi visionário sem o procurar ser. Escreveu País de Abril dez anos  antes de Abril acontecer. 

E foi, também, a coragem de se opor aos seus quando sentia que o que estava certo era  outro caminho. 

É ter a História como aliada da ação. É ter empatia até por quem se encontra no campo  contrário e reconhecer que, às vezes, os princípios do outro podem ser tão ou mais válidos  que os nossos. É mudar de lado sabendo que o preço pode ser a prisão e a tortura.

Quando escreve “há sempre alguém que diz não”, não é apenas um apelo à resistência. É,  sobretudo, um apelo à dignidade. À firmeza nas noites mais difíceis. Aos princípios nos  momentos mais escuros. 

A obra e a vida de Manuel Alegre ensinam-nos que há algo maior do que a vitória ou a  derrota: a dignidade. Por nós mesmos, e por todos os que vieram antes de nós. 

Vivemos tempos de grande incerteza. E essa inquietação nasce, em parte, do facto de ao  olharmos para a História, reconhecermos nela padrões que julgávamos superados. O som  do passado aproxima-se como o estrondo de uma onda prestes a embater no casco do  barco. 

É por isso que figuras como Manuel Alegre, como José Mujica, que recentemente nos  deixou, como Hermínio da Palma Inácio ou Aurora Rodrigues, a mulher mais  barbaramente torturada pela PIDE, são faróis em tempos de neblina. 

Figuras cuja vida carrega um certo "romance" na forma como disseram “não” ao estado  das coisas, mesmo quando a realidade era tudo menos romântica. 

E isso, hoje, é inegavelmente encorajador.