6 Outubro 2019      11:47

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Ad Astra

Para as estrelas?

Perante Ad Astra, o mais recente filme de James Gray, corre-se um sério risco: permitir que a voluptuosidade do olhar interior que o filme convoca se deixe abater pelo aparente paradoxo científico.

O filme adopta uma orientação estranha e, em síntese, extravagante, desde as primeiras imagens. Desaba no sentido da gravidade tão rápida e intensamente quanto o defrontar / encarar permite, para dela (prontamente) se libertar para sempre (seja como força – i.e., propriedade científica -, seja como símbolo).

Assume o salto no abismo como base de trabalho, prevendo que, de um salto, ou se cai rapidamente ou não se chega a cair. Roy, o ponto concentracionário da obra, de onde tudo emana, num filme de Sci-Fi ajustado ao grande-plano, começa por cair a grande velocidade na Terra natal, para depois cair lentamente numa cratera lunar. Em Marte, a paragem seguinte, não cai, antes ondula e serpenteia num lago encastrado no subsolo. Até que no términus da viagem, em Neptuno, perante o abismo dos abismos que lhe foi dado a contemplar, começa por flutuar no vácuo, e seguidamente é-lhe concedido voar, suficientemente longe do Sol, onde o que queima não são as chamas de um qualquer inferno inventado para doer no corpo, mas as amarras de uma prisão que não entendia e passa a aceitar, assim se libertando. É quando Roy pode finalmente, e por um breve instante, voar.

Aceitar um mundo sem Deus, implica aceitar um mundo sem nexo para além do nexo de causalidade. Viver nesse mundo num estado de sanidade implica, por sua vez, aceitação. A espiritualidade não é vácua nem é absoluta, é a essência de um comportamento regrado, em que se aceitam barreiras e se vive o desencanto. Não se omite o passado nem se sonha o futuro radioso, vive-se simplesmente – a sós com uma imagem corpo-alma que é nossa e só nossa e sob escolhas, na aparência, restringidas, mas também outras por determinar. Muda-se o que está para vir, não esquecendo o que passou. Todos os corações das trevas têm os seus horrores, mas alguém vai sobreviver, eventualmente, pelo que também têm as suas aprendizagens.

No fundo, tudo se resume à forma como se enfrenta a inevitável solidão.

 

Imagem de cinematograficamentefalando.blogs.sapo.pt