9 Maio 2020      09:55

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"Abracem-se milhões de seres" - UE nasceu há 70 anos

"Abracem-se milhões de seres" - UE nasceu há 70 anos

 

Por Luís M. Carapinha, Diretor Executivo do TA

Foi há 70 anos que, no pós-guerra, ainda com a Europa em reconstrução, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman, fez uma declaração que viria a marcar o início do que é hoje a União Europeia.

Conhecida como a «Declaração Schuman», neste discurso o político francês expôs a sua visão de uma nova forma de cooperação política na Europa, assente na Paz, na Fraternidade e na solidariedade e viria a tornar impensável a eclosão de uma guerra entre países europeus, marcando o início do período mais longo da História sem guerras na Europa.

Na declaração, Schuman expunha a sua visão para a Europa e propunha a criação de uma instituição para gerir em conjunto a produção do carvão e do aço e, passando menos de um ano, nasceu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) do qual faziam parte a França, a República Federal da Alemanha, a Itália, os Países Baixos, a Bélgica e o Luxemburgo.

A CECA, viria a ser a instituição que, ao longo das últimas décadas, iria ver o número de estados membro passar de 6 para 28 e, atualmente, 27 – após o Brexit e a saída do Reino Unido. O nome mudou para Comunidade Económica Europeia, Comunidade Europeia e atualmente União Europeia.

Os países adotaram uma bandeira para todos, mas mantêm na mesma as suas. Esta bandeira é um símbolo de unidade e identidade da Europa e durante muito tempo, enquanto a CEE era constituída por 12 Estados membros, muitos pensavam ser uma estrela por país, mas não. As doze estrelas douradas, dispostas em círculo – símbolo de união e igualdade - sobre o fundo azul, simbolizam os ideais de unidade, solidariedade e harmonia entre os povos europeus.

"Abracem-se milhões de seres!" - atenção que, em dias de pandemia, não deve ser tomado à letra - diz um dos versos daquele que é o hino da União Europeia desde 1972: o Hino da Alegria, ou Ode à Alegria (original alemão “Ode an die Freude”). O nome deve-se ao poema escrito por Friedrich Schiller, em 1785, e que é agora cantado no quarto movimento da 9.ª sinfonia de Ludwig van Beethoven, composta em 1823.

Este hino, exalta também ele ideais europeus como a liberdade, a paz e a solidariedade, apesar de também não substituir os hinos nacionais dos países-membros.

Oiça aqui o hino numa fantástica flashmob em Sabadell, na Catalunha.

O dia de hoje, 9 de maio, passou assim a ser o Dia da Europa, mas, ainda antes de Schuman, ainda no séc. XIX, outro francês, o escritor Victor Hugo, tinha falado na criação dos “Estados Unidos da Europa".  

A esperança numa Europa mais parecida aos princípios fundadores mantem-se viva. Esta crise é uma boa oportunidade para retornar à origem, para recordar onde e como se estava quando tudo começou. Quando a Paz e o bem estar social estava ante tudo; o Humano estava ante tudo, fosse europeu do sul, da Escandinávia, de leste ou do centro.

A Europa não se faz de uma só vez - como disse Schuman - é também ela, há imagem do Homem, uma construção permanente.

 

Segue-se o texto integral da “Declaração Schuman”:

“A paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criadores à medida dos perigos que a ameaçam.

A contribuição que uma Europa organizada e viva pode dar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacificas. A França, ao assumir -se desde há mais de 20 anos como defensora de uma Europa unida, teve sempre por objectivo essencial servir a paz. A Europa não foi construída, tivemos a guerra.

A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-à por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto. A união das nações europeias exige que seja eliminada a secular oposição entre a França e a Alemanha.

Com esse objectivo, o Governo francês propõe actuar imediatamente num plano limitado mas decisivo.

O Governo francês propõe subordinar o conjunto da produção franco-alemã de carvão e de aço a uma Alta Autoridade, numa organização aberta à participação dos outros países da Europa.

A comunitarização das produções de carvão e de aço assegura imediatamente o estabelecimento de bases comuns de desenvolvimento económico, primeira etapa da federação europeia, e mudará o destino das regiões durante muito tempo condenadas ao fabrico de armas de guerra, das quais constituíram as mais constantes vítimas.

A solidariedade de produção assim alcançada revelará que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se tornará não apenas impensável como também materialmente impossível. O estabelecimento desta poderosa unidade de produção aberta a todos os países que nela queiram participar, que permitirá o fornecimento a todos os países que a compõem dos elementos fundamentais da produção industrial em idênticas condições, lançará os fundamentos reais da sua unificação económica.

Esta produção será oferecida a todos os países do mundo sem distinção nem exclusão, a fim de participar na melhoria do nível de vida e no desenvolvimento das obras de paz. Com meios acrescidos, a Europa poderá prosseguir a realização de uma das suas funções essenciais: o desenvolvimento do continente africano. Assim se realizará, simples e rapidamente, a fusão de interesses indispensável à criação de uma comunidade económica e introduzirá o fermento de uma comunidade mais vasta e mais profunda entre países durante muito tempo opostos por divisões sangrentas.

Esta proposta, por intermédio da comunitarização de produções de base e da instituição de uma nova Alta Autoridade cujas decisões vincularão a França, a Alemanha e os países aderentes, realizará as primeiras bases concretas de uma federação europeia indispensável à preservação da paz.

O Governo francês, a fim de prosseguir a realização dos objectivos assim definidos, está disposto a iniciar negociações nas seguintes bases.

A missão atribuída à Alta Autoridade comum consistirá em, nos mais breves prazos, assegurar: a modernização da produção e a melhoria da sua qualidade; o fornecimento nos mercados francês, alemão e nos países aderentes de carvão e de aço em condições idênticas; o desenvolvimento da exportação comum para outros países; a harmonização no progresso das condições de vida da mão-de-obra dessas indústrias.

Para atingir estes objectivos a partir das condições muito diversas em que se encontram actualmente as produções dos países aderentes, deverão ser postas em prática, a titulo provisório, determinadas disposições, incluindo a aplicação de um plano de produção e de investimentos, a instituição de mecanismos de perequação dos preços e a criação de um fundo de reconversão destinado a facilitar a racionalização da produção. A circulação do carvão e do aço entre países aderentes será imediatamente isenta de qualquer direito aduaneiro e não poderá ser afectada por tarifas de transportes distintas. Criar-se-ão progressivamente as condições para assegurar espontaneamente a repartição mais racional da produção ao nível de produtividade mais elevada.

Ao contrário de um cartel internacional que tende a repartir e a explorar os mercados nacionais com base em práticas restritivas e na manutenção de elevados lucros, a organização projectada assegurará a fusão dos mercados e a expansão da produção.

Os princípios e os compromissos essenciais acima definidos serão objecto de um tratado assinado entre os estados. As negociações indispensáveis a fim de precisar as medidas de aplicação serão realizadas com a assistência de um mediador designado por comum acordo; este terá a missão de velar para que os acordos sejam conformes com os princípios e, em caso de oposição irredutível, fixará a solução a adoptar.

A Alta Autoridade comum, responsável pelo funcionamento de todo o regime, será composta por personalidades independentes e designada numa base paritária pelos governos; será escolhido um presidente por comum acordo entre os governos; as suas decisões serão de execução obrigatória em França, na Alemanha e nos restantes países aderentes. As necessárias vias de recurso contra as decisões da Alta Autoridade serão asseguradas por disposições adequadas.

Será elaborado semestralmente por um representante das Nações Unidas junto da referida Alta Autoridade um relatório público destinado à ONU e dando conta do funcionamento do novo organismo, nomeadamente no que diz respeito à salvaguarda dos seus fins pacíficos.

A instituição de Alta Autoridade em nada prejudica o regime de propriedade das empresas. No exercício da sua função, a Alta Autoridade comum terá em conta os poderes conferidos à autoridade internacional da região do Rur e as obrigações de qualquer natureza impostas à Alemanha, enquanto estas subsistirem.”

 

#EuropeDay #DiaDaEuropa