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Bucha à pala

Era um profissional. Andava na vida como quem caminha em cima de uma jangada de bambu, ou de uma sementeira de trigo. Muitas vezes parecia que andava no meio de um milheiral a recolher barbas para se fazer passar por outra pessoa. Com as barbas de milho, as que não enrolava em mortalha e fumava, passava a ser ruivo e sentia-se contente.

Brotoeja

Acordei cheio de comichão. O meu corpo parecia uma posta mirandesa, antes de estar grelhada. A brotoeja é definida da seguinte forma num dicionário: substantivo feminino Erupção cutânea, acompanhada de prurido. (Priberam). Ora, no Alentejo, ganha um significado completamente diferente. Não foge deste mas aprofunda-se e além de comichão intensa, ultrapassa essa fronteira e, ouso dizer, passam a haver pessoas que nos dão brotoeja. Naquele dia acordei cheio de brotoeja.

A apanha da azeitona

Gosto de tibornas. Das melhores coisas que me podiam dar, quando era ainda muito jovem, era o pão acabado de sair do forno molhado em azeite. Que delícia o azeite a escorrer pelos beiços abaixo. E a crosta do pão alentejano, por dentro ainda mole e a fumegar, fazia um barulho estranho e ao mesmo tempo intrigante quando os dentes os trincavam. Recordações da infância, do pão, do azeite, dos fornos, das oliveiras e das azeitonas.

A consulta

Eram 6:15 da manhã e o dia ainda mal tinha acordado. Era cedo. Muito cedo. Tão cedo que o dia ainda não tinha acordado. Quem já tinha despertado e estava a caminho era a Maria. Lá ia ela, apanhar a camioneta que a levaria à vila. Tinha de descer o combro para, lá no vale, chegar à estrada de alcatrão e esperar pela camioneta das 6:30. A carreira passava todos os dias. Era uma daquelas camionetas grandes, da Rodoviária Nacional, sem ar condicionado e bancos desconfortáveis, mas Maria gostava da camioneta.

O periquito fraquito que cantava como um franganito

Piu piu. Tro lo ró, tro lo ró. Chilreava assim o periquito fraquito que cantava como um franganito. Piu Piu, era sozinho, como quem assim o viu. Quem o viu foi um rapazito, dono de um canito que morava na casa em frente. Da janela, aparecia o ramo onde se empoleirava o Canário, nome que o moço acabou por dar ao periquito. Coitado, não sabia a diferença entre um e outro. Também não interessava. Se tinham penas, eram pássaros. O Canito do rapazito queria comer o passarinho, que chilreava no ramo em frente à janela. O moço olhava para ele, com o cão ao lado, de janela aberta.

Coelhinho da Páscoa

Porque escrever sobre um coelhinho da páscoa? Resposta difícil, de longo e largo espectro, como alguns antibióticos. Tentarei responder, decifrando algumas das mais impressionantes histórias e narrativas que a propósito dos coelhinhos da Páscoa foram escritas e contadas. Desde tempos imemoráveis, quando ainda não se escrevia, quando ainda era a oralidade que contava, os coelhinhos da páscoa fazem parte do imaginário coletivo.

Quando a cinza substitui o pó, as coisas deixam de fazer sentido. As gotas de água não o transformam em barro, nem servem para colar ou construir algo novo. As gotas de água não chegam a tocar o pó do chão.

Extrato bancário

Olha, sabes quando nos conhecemos? Lembras-te desse momento? Eu era o funcionário do Banco e tu eras a menina doce e gentil de olhos azuis, que timidamente se aproximou do balcão para fazer um depósito em euros e trocar um cheque da segurança social, ou das Finanças, já não me lembro bem. Parece que no momento em que te via a minha gravata saltou do lugar e transformou-se numa serpente encantada que dançava ao som da música surda que tu emanavas dos teus olhos e da tua pele. Lembras-te?

Exame

A palavra em si assusta. Exame. Vem do latim examen, de onde vem a palavra enxame também. Dessa não falaremos hoje, se bem que um enxame de abelhas também me assusta, prefiro ficar pelo exame e pelos vários tipos de exames que existem, todos eles com algum grau de pânico, ansiedade e temor.

Escrevantar

Escrevia sempre ao levantar. Acordava cedinho, por volta das 6:15 da manhã, todos os dias. Era uma coisa que fazia parte de si, da sua rotina. Imaginava-se como um inventor. Inventava como um imaginador. Imaginava coisas que não existiam e escrevia-as entre as 6:30 e as 7:00 da manhã. Nessa meia hora tudo acontecia.

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