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Poesia

Alcateias

No meu país
errar é coisa feia
é antónimo de progresso
é sinónimo de insucesso
e é homónimo de alcateia.

Porque aqui não se pedem desculpas,
recitam-se verbos carregados de culpa
exoneram-se todas as primeiras pessoas
- as do singular e as do plural
intocáveis, tal como o uivo
de um lobo solitário.

 

Imagem de cienciasbioblog.files. wordpress .com

 

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Ó mãos que beijam a terra

Ó mãos que beijam a terra

na fértil esperança da semente efémera!

Fostes feitas para trazer do futuro

as rugas que o tempo espera.

As rugas que o tempo espera

são lágrimas que o suor ampara.

Ó mãos que beijam a terra,

deixai para trás a miséria,

brindai pela paz,

(a fartura é inimiga da guerra).

Ninguém vos pode vencer!

As mãos que beijam assim

são livres de escolher.

— Dá-me a tua mão;

se quiseres,

juntos seremos a terra

que mais ninguém quis ser.

 

Voltar a ser

Lá bem no fundo do meu íntimo,

recordo o interior de Portugal

lotado de famílias

a vivê-lo, a habitá-lo.

 

Recordo melhor ainda

o acontecimento posterior:

Emigração para o litoral.

 

Os mais novos foram,

os mais velhos ficaram.

 

Não estou chocado;

As civilizações antigas e modernas

sempre procuraram ficar

mais junto à Costa ou

mais junto ao Rio;

e é por isso que cá continuamos.

 

Ainda assim o problema é mais profundo

do que governativo.

Flores

O meu campo de visão é preenchido por uma imagem pura: a lua está a cair.

Sinto o meu coraçãozinho pequenino a apertar.

Dói. Estou hesitante. Será que é bom estar numa relação a longo prazo com a dor? Será que é bom estar a doer?

As onze da noite batem e as estrelas que pintam o céu comunicam comigo. Tentam transmitir-me algo, mas não as consigo ler. Cantam todas juntas uma melodia incompreensível. Peço ajuda a uma estrela cadente; é esta a função delas, certo?

Contágio

O contágio começa

quando nos deixamos

contagiar;

e a vida

em todos os seus dias

é um conjunto

de epidemias.

 

Não há como fugir.

É lavar as mãos

contra quem nos quer mal

e é abraçar,

apertar

e beijar

quem queremos amar.

 

Imagem de irishtimes.com

Alentejo ao luar

Os dias mais limpos

vislumbram a Lua

bem antes do Sol

se pôr. A forma estreita

da rua por onde vou

não tem nexo; e só

neste instante percebo,

que o ter ou não ter nexo,

é um mero vício citadino.

 

É apenas aqui,

nesta aldeia do Alentejo,

que quando olho para cima

vejo o que existe para lá

daquilo que já conhecia.

Enquanto houver luar,

haverá claridade

para iluminar as ruelas

que me conduzem

até ao largo da igreja.

 

Pelo caminho,

Esperança

Nascem flores no céu

sempre que a terra chove.

A água cai torrencial e

mata a sede dos anjos,

pinta as nuvens de verde

e evapora a fraca descrença.

.

A linha no horizonte

reflecte um sopro de luz;

todos sustentam a hipótese

sobre o regresso dos que sonham ter

as nuvens no céu e as flores na terra.

.

E cheios de esperança vão

os que ousaram criar

o novo mundo.

 

Imagem de capa de postal da Coleção de Énio Semedo

Banco de jardim

São espaços fechados com correntes de ar,

Todos os jardins que aqui frequento.

Há sempre um banco, — o meu lugar,

Que faz esquecer todos os jardins sem assento.

Árvores, plantas, o verde; — ó asas triunfantes!

Levantam o chão, beijam o céu, por instantes.

O céu é o lugar mais infinito para pensar,

Mas eu prefiro ficar sentado no meu banco.

Para fora do infinito não há como raciocinar

E para fora deste banco tenho todo este flanco,

Desde aquela árvore (que calou para consentir),

Universidade de Évora atribui Prémio Vergílio Ferreira a Ana Luísa Amaral

O Prémio Vergílio Ferreira, instituído pela Universidade de Évora (UÉ) em 1996, foi entregue na edição deste ano à poetisa Ana Luísa Amaral, divulgou a academia.

Este galardão incide sobre o conjunto da obra de um autor que se tenha distinguido nos domínios da ficção ou do ensaio e, na edição de 2020, contou com nomeações oriundas de sete instituições de dois países.

Miradouro

É urgente desfrutar da paisagem.

É necessário ser o que se vê.

É perigoso olhar para trás

cair onde caímos

pela última vez.

 

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