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Poesia

Ruas de Arraiolos estão cheias de poesia

Poemas e frases da autoria de Sérgio Godinho, The Legendary Tigerman, Valter Hugo Mãe, Ivo Canelas, Pedro Abrunhosa, Rita Redshoes, Afonso Cruz, Samuel Úria, Márcia, Katia Guerreiro, Joana Espadinha, José Eduardo Agualusa, entre outros nomes, deram cara ao projeto MANIFESTO e estão expostos nas ruas da pitoresca vila alentejana.

A iniciativa “Manifesto” vai prolongar-se até de 30 de setembro e é um projeto do “Departamento” -  criadores do Poster Mostra - e da “E-Panther”. 

O Grande Lago

Neste lago de infinitas polegadas

peço explicações a todas as minhas

reflexões.

 

Foi por escutá-lo que entendi

as suas ondas ténues falantes,

formadas de gota em gota,

tal como humanos se formam

de palavra em palavra:

 

— Somos um espelho;

reflectimos nos outros

o que reflectem em nós.

 

 

Liberdade

Se pudesses escolher

que cor darias à liberdade?

 

Tens a certeza?

Mesmo depois de te ensinarem que

vermelhos são os campos,

verdes são os lírios e

azul é a tempestade?

 

A tua liberdade

é do tamanho do livre-arbítrio

multiplicado pela vontade.

 

Nunca uma coisa tão real

foi tão infinita

e nunca o infinito

foi tão limitado

para se tornar essencial.

 

Anda, vem brindar connosco;

— quem é livre de festejar

toma a sua liberdade por gosto!

O provérbio Talvez

Se não existisse o “às vezes”

A voz

Cantam vozes

pela solidão do povo;

porque quem canta

fá-lo pelos males que espanta

e por sonhar um caminho novo.

O prometido

foi-se prometendo;

a grandeza latifundiária

heterogénea e ordinária

nunca foi bom remendo.

O mundo é cobiçado

pelos que querem mandar;

mas é o cante pela alma cantado

neste tom tão solene e honrado

que faz do Alentejo propriedade.

 

 

Imagem de noticiasaominuto .com

Eco

O final de tarde a chegar

o vento que vagueia no monte

a história de tudo o que já foi.

 

Na luz da imagem

corre apressadamente

o tempo.

 

Felizmente há som

dançando sozinho

em velocidade menor.

 

O som ecoa

onde a luz reflecte.

 

Tudo existe:

o passado promete.

 

 

Imagem de ebdinterativa.com. br

 

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O soneto do outeiro

Se a pomba aterrasse no outeiro

Sob o meu olhar de vigia distante,

Ler-lhe-ia o bilhete do pombo-correio

Que traz boas-novas de um voo errante.

Contar-lhe-ia toda a verdade

Sobre o céu, a aerodinâmica e o amor,

Pois nada é maior do que a vontade

De trazer na asa a mais serena flor.

Se fosse adivinho,

O pombo-correio voaria mais baixinho

Para encurtar caminho.

A planície coraria primeiro

Todo o planeta seria vermelho;

— Ah, se a pomba aterrasse no outeiro!

 

 

Derme

De que serve vestir o traje

se por dentro somos carne

e se quando não nos serve

nos sentimos desnudos, vazios.

 

A cidade tem pele camaleónica

muda consoante o estado do tempo

e das searas de cimento gigantes

que arranham os céus

e cegam horizontes.

 

Os campos e as montanhas

deixaram a sua pele secar

para que a cidade

pudesse existir,

e ficaram por lá,

longe do tempo e da estrada,

para que ninguém os

pudesse sentir.

 

Para que o campo seja salvo

Inveja

Invejo o pastor que faz do monte a sua casa.

Afortunada vida que parece ter,

— a dele ou a minha?

Quem vê de longe deseja ser

O que de perto se ignora

Passa o tempo

Nasce o arrependimento

De não ir enquanto é hora.

O pastor cuida do gado

Como eu cuido dos números

Pelo sol ele é castigado

E eu, nem por qualquer astro sou amedrontado!

Caminhamos unidos pela inveja de um sonho

convictos de que sonhar nos faz ser

quem somos.

 

Imagem de arquivomunicipal. cm-lisboa .pt

 

A gota mais pequena desta ribeira

Sempre que aqui estou, sinto ser
a gota mais pequena desta ribeira,
que corre em busca
do encontro inesperado
com um rio que me queira.

Não ambiciono fazer parte
de um rio muito grande,
e afluir em águas famosas
é o que menos quero.

Sempre que aqui estou,
sinto que sou o que
a gota mais pequena desta ribeira
nasceu para ser:
— um pouco do som,
da luz, da paz e do luar
que te faz fechar os olhos
e me desejar.

 

Imagem de wikimedia.org

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