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Luís Nobre Lucas

Portugal 2020

No balanço do ano que termina, e nas aspirações para o ano que começa, que inevitavelmente acabamos por fazer nesta época, surgiu-me o verso de Camões: “Que um fraco Rei faz fraca a forte gente.” No verso que finaliza a estrofe cento e trinta e oito do terceiro canto da epopeia, Camões refere-se a D. Fernando I e à fraqueza da sua liderança na defesa do reino contra o então inimigo Castela.

Colaboração premiada só peca por tardia

Confesso que já tinha saudades de concordar com o PS em alguma coisa, depois destes quatro anos a desviar o país das melhores práticas europeias em matéria de economia, fiscalidade e sobretudo administração pública.

Saúde: o Estado que queremos

O estado da saúde em Portugal é sintomático da impossibilidade política de escolhermos o melhor de dois mundos. O PS optou por comprar os votos dos funcionários públicos com um horário de trabalho reduzido e um salário mínimo superior ao dos trabalhadores do privado, os portugueses optaram por votar no PS, e o Estado optou por comprometer os cuidados de saúde para pagar os votos comprados. A política é feita de opções.

Lítio: a forma e o conteúdo

É compreensível que as populações locais reajam com desconfiança às notícias de que negócios extrativos estão previstos para as suas localidades, sobretudo quando não são claros os benefícios locais que daí possam advir. Penso que foi isto que aconteceu na receção ao secretário de Estado da Energia em Boticas na passada segunda-feira.

O fim do mérito

Numa sociedade de matriz tão marcadamente socialista como a portuguesa - a última da Europa Ocidental - é sempre um risco levantarmo-nos contra quando um qualquer governo propõe aumentos sistemáticos do ordenado mínimo. Faço-o porque acredito ser uma medida que, a prazo, acaba sendo prejudicial para aqueles que tenta proteger.

Setecentos mil eleitores não têm quem os represente

Foram quatro milhões e novecentos mil os portugueses com votos válidos nas últimas legislativas. Destes, setecentos mil não contribuíram para eleger nenhum deputado. A culpa não foi deles, que se disponibilizaram para ir às urnas escolher os seus representantes, nem foi dos candidatos, cujas propostas conseguiram captar o seu interesse e aprovação. Foi mesmo da lei eleitoral que temos, que faz corresponder os círculos eleitorais aos distritos administrativos de 1835.

A democracia portuguesa cresceu

Portugal será talvez o único país da Europa que mantém os mesmos partidos com representação parlamentar há 45 anos. Deixemos passar a exceção do Bloco de Esquerda, que ganhou representação ao juntar forças que vinham do período pós-revolução, e do PAN, que, por enquanto, se insere no grupo dos que ao longo destes 45 anos têm tentado, sempre sem sucesso duradouro, ganhar voz. Uns dirão que mostra estabilidade. Eu acredito que tenha mais a ver com estagnação e imobilismo. Os portugueses são tendencialmente avessos à mudança, e isso prejudica-nos. A Europa arrisca, comete erros, mas evolui.

Cartéis: os inimigos do mercado

Quando pensamos em inimigos do mercado, os nomes que nos vêm à cabeça são normalmente comunismo e socialismo, aqueles que historicamente, de forma assumida, frontal, e muitas vezes corajosa, declararam não acreditar neste modelo de organização da economia, e nos modelos de organização da sociedade que lhe estão associados. Mas o mercado português tem hoje mais um inimigo com que se preocupar: aquele que apregoa aos quatro ventos as virtudes da economia concorrencial e pratica depois o inverso do seu simétrico, o cartel.

A Amazónia não é de esquerda nem de direita

Um dos piores inimigos das democracias atuais é esta divisão simplista, pueril e ultrapassada de esquerda/direita, aliada ao ódio, cegueira coletiva e alienação que provoca. Não discutimos políticas, não analisamos resultados nem consequências, é tudo visceral e nada racional, é bom porque é de esquerda e mau porque é de direita, ou vice-versa, dependendo da pala que cada um decidiu vestir. Não conseguimos andar em frente, porque todos queremos andar para o lado, cada um para o seu lado.

O sindicato bom e o sindicato mau

Este governo foi pródigo em deixar-nos novos conceitos em democracia. Mas talvez o mais pernicioso de todos seja este com que nos brinda no final: a ideia de que os sindicatos são bons se, nas mãos da UGT ou da CGTP, puderem ser instrumentalizados para atacar um governo hostil, mas passam a ser maus se, independentes, decidirem atacar-nos no momento em que mais nos dói. Foi um modelo de argumentação tentado com os enfermeiros, mas agora verdadeiramente executado com os motoristas de matérias perigosas.

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