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Histórias

COSTELETINHAS DE BORREGO

O tipo era muito sossegado. Não dizia uma palavra sem pensar nos múltiplos sentidos que essa mesma palavra pudesse ter e nas consequências, nos atos e nos efeitos da semântica proverbial que se acumulava nas intenções do pensamento, a meio que a fugir para uma condensação demasiado hermética das suas ideias. Tinha sempre um fato preto vestido, com uma gravata também preta. Tinha óculos, envergava, no inverno, uma capa escura e usava um chapéus e os óculos eram escuros. Era, resumindo, uma figura meio estranha do panorama da intelectualidade da vila onde vivia.

A ALBARDA

Aquilo era uma cidade cosmopolita, cheia de gente em movimento, lojas e lojas, umas grandes e grandiosas, outras pequenas e gourmet. Aquilo era uma cidade em movimento, um não parar de gente que sempre apressada, nunca parecia contente.

VINHETA DE AUTOCARRO II

(Conto em três partes)

De casaco cinzento, impermeável, às riscas, de um amarelo esverdeado e fluorescente, as botas plásticas, quentes, que lhe protegiam os pés e que, ao mesmo tempo, acomodavam micoses contínuas, António não era um homem feliz e não sentia que o dia de amanhã fosse um dia mais feliz que o de hoje. O hoje e o amanhã eram o que eram e não eram mais do que um contínuo passar de horas e de rotinas que só faziam sentido para alguns, para os ambiciosos.

À MESA DO RESTAURANTE

Cheguei ao restaurante pouco passava das nove horas da noite. Uma rapariga de aspeto baixo e magro esperava os clientes com um bloco de notas escrito e rasurado à porta. Olhou-me e perguntou para quantas pessoa era a mesa. Respondi-lhe que estava sozinho e não esperava mais ninguém. Pediu-me, num gesto de simpatia algo forçada, por se tratar do seu trabalho, que me sentasse no balcão que servia de bar e outros como eu aguardavam mesa para se sentarem. Alguns deles, em grupo, falavam de assuntos tão diferentes como a política dos seus países, a noite no bar, na semana passada o curso de surf e de mergulho… Outros sentavam-se simplesmente em casais e olhavam-se sem adiantar muitas palavras. Sentei-me no meio de dois casais e pedi um copo de vinho tinto, um cabernet sauvingnon do Chile. Comecei a observar os que já se encontravam a jantar e aqueles que esperavam ainda.

O MENINO E O CROCODILO

No momento em que, à meia-noite, do dia 20 de maio de 2002, o relógio dava doze badaladas, num campo estendido entre três lagoas, ouviam-se os festejos do nascimento. Nascia um novo dia e nascia um novo país. Nesse momento, Kofi Annan declarava a restauração da independência de Timor-Leste. A Oriente, as lágrimas daqueles que lutaram misturavam-se, nos rostos, com os sorrisos do nascimento e, todos, unidos em torno de um ideal, sorriam e choravam, olhando a bandeira que se elevava no ar.

Recordo-me, e gostaria de contar-vos, a propósito da restauração da independência, de uma breve história, com tonalidades de lenda, que me foi contada pela voz envelhecida e sábia de um lian nain. É a história de Timor-Leste e de um menino, nos seus sonhos de crocodilo, partindo em busca do disco dourado que existe no fim do mar. Encontraram-se, nas Celebes, por acaso. O menino descansava à beira de um rio que deslizava para o mar, enquanto observava as maravilhas que o seu olhar conseguia avistar. O menino pensava e sonhava, olhava o Sol que tinha acabado de nascer e pensava que aquele disco, aquele disco dourado era o seu sonho e que um dia iria alcançá-lo. Todos temos sonhos na nossa vida, pensava. Todos os temos e todos os devemos viver. Ambicionar chegar até eles e alcançá-los é um direito nosso e ninguém tem o direito de nos tirar esses sonhos, pensava o menino que, um dia, seria avô, na sua inocência de criança, guarda em si todos os sonhos do mundo como já dizia Pessoa.