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Crónica Literária

O potencial assassino do fato azul escuro

Esta é uma história fatídica, quase verídica e intensamente polémica, apesar de curta. Tudo aconteceu num dia muito quente de verão; em que o próprio suor se confundia com a fadiga. Sendo a história fatídica, verídica e polémica como é, as coisas acontecem rápido e de forma eficaz. Claro que, com todo o calor, o crime não compensa.

Numa avenida ampla daquela cidade que todos sabemos o nome por ecoar no nosso ouvido todos os dias, as casas estavam esburacadas das balas certeiras que tinham modelado o betão e afugentado todos os seres vivos que por lá andavam.

O poder de decisão

Estavam sentados numa mesa redonda, olhando-se todos de forma circular e abrangente. O olhar de cada um conseguia alcançar todos os que ali se sentavam. Eram treze, sentados à mesma mesa de decisão. Dali saíam razões e decisões que implicavam e se refletiam diretamente na vida de pessoas comuns, como eu e como o leitor.

O poder de decisão tem essa mesma vertente de poder transformar vidas, de agir sobre o recipiente da decisão e de o poder fazer crescer ou decrescer na sua relação. Porém, o poder de decisão afeta também aquele que toma essas mesmas decisões.

Momentos especiais

Falar sobre momentos será um dia como falar sobre o eterno. Não que os momentos sejam eternos. Não o são e certamente nunca serão eternos porque são a antítese da eternidade. Os momentos, sejam bons ou maus, são únicos. E que assim sejam e que continuem a ser para os que os vivenciam e aproveitam ou sofrem sejam abençoados nesse momento.

Cada momento na vida de cada um de nós torna-se especial, torna-se único. Talvez por isso celebremos os melhores momentos da nossa vida. Dos momentos menos bons ou maus não queremos memória.

A escada

Subiu, subiu, subiu. Quando pensava que ia começar a ver o fim da escada, eis que as nuvens se sobrepunham e tapavam tudo. A escada, assim, parecia não ter fim. Talvez a nossa personagem procurasse algo que não tem fim, algo que não termine e seja só interrompido por uma camada densa de nuvens que dão a ideia de se ter chegado ao céu. O paraíso fica depois das nuvens que o escondem.

Um parafuso a menos

Último dia de primavera, quase altura de começarem as férias do verão, depois de um ano muito cansativo de trabalho, Loitão tinha tudo pensado para essa nova fase do calendário gregoriano. A sua vida poderia ser diferente ou ser completamente igual ao que era até aí. Dependia só daquilo que pudesse acontecer no tempo intermédio. Loitão era um homem trabalhador e muito esforçado. Dedicava-se inteiramente ao seu trabalho e a sua vida pessoal e familiar reduzia-se a quase zero, uma vez que não tinha nenhuma há muito tempo.

O espaço entre as árvores

Viajo de comboio. Sentado no meu assento, percorro as diferentes terras, as diferentes casas escondidas atrás das árvores e além do arame que separa a linha do resto do mundo.

Vejo-me no espaço entre as árvores, através de um vidro meio empoeirado.

O facto de viajar de comboio, numa linha quase recta sem sobressaltos faz-me olhar, concentrado, para o espaço entre as árvores, para o que me foge da vista e não se deixa apanhar pela minha retina. Não me é possível focar num só elemento, nem guardar na memória tudo aquilo que passa por mim, ou melhor, aquilo por que passo.

Murmúrio

Na hora em que os sinos tocam cronometrados com as luzes claras e com as luzes escuras, o dia deixa de o ser e passa a ser noite. É a transição que maravilhosamente ocorre todos os dias. Em vários pontos do globo, a transição acontece, sem que nela se conste haver um interregno vincado. A noite subtilmente sobrepõe o dia e nesse momento em que se transformam, as coisas soltam murmúrios e esses murmúrios são o sol do interior de cada objeto.

Março

Os primeiros dias do mês passaram-se calmamente. Apesar de as noites ainda parecerem de inverno, os dias eram maioritariamente cheios de sol, com algumas nuvens à mistura, tanto em Beja como na Madeira. Nesta última, o tempo esteve mais quente.

A segunda semana do mês foi atípica e os campos ficaram ensopados com a quantidade de chuva que caiu. As barragens ficaram cheias e as primeiras sementeiras estavam a ser planeadas. Lá para meio do mês a primavera chegaria, sem timidez. As primeiras flores iam aparecer e tudo voltaria a nascer. O ciclo da vida assim o determinava.

Confissão ao meu amor (im)possível

Mil e uma desculpas ao meu amante desconhecido. A ti. Desculpa-me.

Creio que o meu amor tem ossos frios e se esconde como o vento entre as folhas de todos os jacarandá-mimosos.

Creio que o meu amante descansa o seu corpo numa cama com lençóis frios e eu não quero verter mais lágrimas, mas eu quebro a minha alma assim mesmo.

Apanhaste-me

Apanhaste-me. Deste-me a mão e eu saí da poça em que me mantia afogada. A luz decidiu revelar-se de novo. Passado tanto tempo; cumprimentei-a. Aqueceu-me. Transmitiu-me segurança e conforto.

Sorri.

Estava numa dança lenta e apaixonada com ela.

Ainda com a minha mão entrelaçada na tua, guias-me por novos caminhos; não que eu não os tivera conhecido antes. Mas agora, observo noutra perspectiva.

Explodo gratidão. Por ti. Por nós. Pelo que temos, e iremos ter.

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