31 Maio 2014      23:55

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A política da "Casa dos Segredos"

“A Democracia é uma boa rapariga. Mas para que ela nos seja fiel é necessário fazer amor com ela todos os dias!” Edouard Herriot

No passado fim-de-semana, os resultados eleitorais vieram demonstrar a fragilidade criada pelos sistemas democráticos europeus. Em Portugal, apesar de não existirem subidas substanciais das extremas, não foi exceção (como referi em artigo anterior). Por cá, foram cometidos inúmeros erros políticos, sobretudo por parte do partido vencedor, o PS. Primeiro comentaram previsões (que umas horas depois se vieram a mostrar erradas), depois confundiram-se europeias e legislativas e, por fim, exigiu-se a demissão do Governo quando internamente nem se aceitava um congresso.

desligar a democracia

 

A semana foi de discussão intensa sobre o que se passaria hoje, na Comissão Política Nacional do PS. Uns contavam espingardas; outros, com menos consciência e pudor, lavavam roupa suja; outros analisavam quem tem mais probabilidades de ser eleito para então decidir quem apoiar; outros, esperavam para ver quem apoiava quem, para decidir; outros apoiaram logo quem alguém lhes disse para apoiar, uns outros, mais atentos, reagiram rápido e puseram-se em campo pela sua crença; e poucos foram os que esperaram para ouvir as bases. De um modo, ou outros, estava montado um cenário que evidencia, não só o que passa no PS, como em toda a política portuguesa (e quiçá europeia): uma autêntica “Casa dos Segredos”, como o recém-eleito eurodeputado Carlos Zorrinho disse à comunicação social.

Seguro escondeu-se atrás dos Estatutos; fugiu, escondeu-se, aparecia a espaços a dizer qualquer coisa e voltava a desaparecer (nem será necessário falar da moção de censura; aliás, o PCP abusa tanto das moções que as faz perder valor!). Costa, mais confiante, disse o que tinha a dizer, voltou algumas vezes para repetir e ponto. Um diz ter legitimidade para estar, outro diz que quem está não tem capacidade. Ao longo da semana, alguns apoiantes de Costa diziam que este estava a cumprir um dever patriótico ao apresentar-se como alternativa a Passos Coelho (pois os 4% não convenceram ninguém!), mas hoje, em plena Comissão Política Nacional do PS, as proposta de Seguro de apresentar um projeto de reforma da Lei Eleitoral para redução do número de deputados, reforço do regime de incompatibilidades dos deputados  (entre elas o o fim da possibilidade de os advogados em exercício serem deputados), possibilidade de escolha dos deputados dentro de um partido, um Código de Ética mais rigoroso para preparar as listas para as próximas legislativas e o facto da escolha do candidato do PS a Primeiro-ministro vir a ser feito através de eleição direta, aberta a militantes e a simpatizantes do Partido Socialista, não serão menos patrióticas. Aliás, são das medidas mais pró-democracia que ouvi alguém propor em Portugal nos últimos tempos, uma vez que poderão acabar com o caciquismo e o feudalismo a que alguns partidos e/ou partes dos partidos se habituaram. Pena que estas propostas só surjam agora, quando Seguro está entre a espada e… Costa, soam (e muito) a desespero. Mas cinjamo-nos ao essencial.

Na prática democrática, as propostas de Seguro são o caminho da salvação da política e da sua credibilidade (e em consequência da democracia). Deste modo, como disse António Pedro Vasconcelos no “Público”, a crise no PS é (mesmo) uma excelente notícia. Nos últimos 30 anos os partidos esqueceram-se de ser eles próprios democráticos no seu seio. Têm-se transformado em caixas herméticas onde ninguém, além dos que sempre estiveram, entra nos verdadeiros processos de decisão, ninguém mexe, nada muda! Não houve evolução nem regeneração quer de ideias, quer de pessoas. Identifiquem quantas novas caras existem nas listas dos maiores partidos nestas eleições europeias? Quantas novas caras conhecem das listas nas autárquicas? E a média de idades? Já fizeram as contas? Desde as bases partidárias locais, aos Maxi-partidos nacionais, instauraram-se redes de interesses económicos, grupais e até individuais que provoca no comum eleitor a ideia de que “são todos iguais”; “o que querem é tachos” e “são sempre os mesmos!”. Aqui está razão da abstenção! O “governo do povo” original foi deturpado, os partidos viraram as costas ao cidadão, e o cidadão respondeu. Se a abstenção não é a melhor resposta, nas últimas legislativas viram-se respostas mais condignas com a subida e eleição de movimentos independentes. No entanto não se enganem, não há democracia sem partidos! E este sistema político, o da democracia, sendo utópico (no seu máximo esplendor) é e continuará a ser o melhor dos sistemas políticos, no entanto, a democracia deve ser exercida todos os dias e não só quando nos convém.

As bases partidárias, os simpatizantes e o mais comum cidadão devem poder participar e opinar na vida política portuguesa. Acabem com as quotas (que só são pagas quando há eleições ou quando algum interessado em votos as paga), acabem com as quotas para mulheres e olhem-se todos de igual para igual, pelo valor e não pelo sexo, posição social ou qualquer outra coisa, deixem entrar quem quer ver como funciona e ainda mais quem traz novas ideias e vontade de fazer! A democracia é um processo claro e aberto, e se queremos menos abstenção, venha de lá mais clareza e abertura de dentro dos próprios partidos! Regenerem-se os quadros e as ideias e alteremos o curso que a Europa segue. Afirmemos a democracia e a liberdade!

(imagem de gaia.org.pt/)