12 Fevereiro 2015      00:00

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Para (re) pensar a (s) língua (s) que falamos

Numa das suas reconhecidas citações, o filósofo e matemático inglês Bertrand Russell afirmou que não importa o quão eloquentemente um cão possa latir, ele nunca será capaz de relatar que os seus pais eram pobres mas honestos. Muitos outros filósofos, na sua incessante busca pela essência humana, ou seja, aquilo que nos distingue dos outros animais, julgam ter encontrado a resposta na nossa capacidade de aprender e utilizar uma língua para nos comunicarmos.

Em kigongo, a língua falada pelos bacongos das províncias de Cabinda, Uíge e Zaire em Angola, a palavra kintu significa ‘algo animado mas não propriamente humano’. Por outro lado, a palavra muntu significa ‘verdadeiramente humano’. Para muitos dos povos que fazem essa distinção entre esses dois conceitos, kintu e muntu, um recém-nascido apenas se torna um muntu quando o seu progenitor, ou o feiticeiro, lhe dá um nome e o diz em voz alta. Em outras sociedades semelhantes, somente a partir da aprendizagem e uso de uma língua é que nos tornamos ‘verdadeiramente humanos’, um muntu.

A capacidade do ser humano de aprender uma língua é inata. Onde quer que nasçamos, ou quem sejam os nossos pais, ou onde cresçamos, todos possuímos, pelo menos, uma língua. E este domínio da língua parece conceder-nos autoridade para opinarmos sobre o seu uso. Assim como qualquer entusiasta de futebol é capaz de emitir as mais complexas teorias sobre a eficácia ou os erros da sua equipa, somos capazes de manifestar opiniões, favoráveis ou não, acerca do uso que se dá à língua.

Ainda que não haja dois falantes da uma mesma língua que a utilize de forma idêntica, seguindo as mesmas regras gramaticais, fazendo uso das mesmas palavras, pronunciando-as da mesma maneira, com os mesmos sons, temos uma propensão natural para julgarmos o outro, principalmente quando percebemos no seu discurso estas diferenças.

Opinamos e julgamos quando ouvimos um sotaque diferente do nosso, quando lemos um texto marcado por desvios das regras gramaticais que aprendemos na escola. Quem não tem alguma opinião, a favor ou contra, sobre o Acordo Ortográfico? E o que pensam sobre o uso de palavras estrangeiras na nossa língua principalmente quando existe um vocábulo que significa exatamente o que a palavra estrangeira quer dizer? Porque achamos que alguns sotaques (que todos temos!) são mais doces, suaves ou grosseiros e rudes?

Pensamos numa língua e pensamos sobre esta mesma língua. Analisamos a sua riqueza lexical, a sua variedade sonora; tentamos compreender as suas incongruências, incoerências e ambiguidades. Porque não podemos escrever da mesma maneira que falamos? Quem decidiu que devemos escrever de uma certa forma e não de outra? E surpreendemo-nos com a capacidade dos nossos filhos, netos, sobrinhos, de aprender a falar uma (ou mais) língua. Da mesma forma, perguntamo-nos se algum chimpanzé, ou algum outro animal com algum nível de inteligência, será capaz de um dia entender a estrutura complexa de uma língua e comunicar connosco.

escola de línguas

Mas apesar de possuirmos uma língua e sermos capazes de comunicarmos com as pessoas que nos rodeiam, queremos aprender outras línguas, para comunicarmos com mais pessoas, em outras comunidades, em outros países. Entretanto, quando aprendemos uma segunda (ou terceira) língua, procuramos fazê-lo da forma mais eficaz possível. Mas como ser um bom aprendiz? O que é preciso para atingirmos um nível satisfatório de capacidade de uso e perceção desta nova língua? E qual é este nível satisfatório? Porque não aceitamos cometer erros? Porque decidimos aprender uma certa língua e não outra? Esta escolha é baseada na língua em si própria ou em quem são os seus falantes? Ou as nossas motivações são baseadas naquilo que poderemos fazer com a língua? Seremos muito velhos para aprender uma nova língua? Ou quanto mais cedo começarmos melhor? Podemos aprender sozinhos ou precisaremos sempre de um professor e de estar numa sala de aula? Seremos capazes de usar a língua de uma forma tão competente como um nativo?

Estas são apenas algumas das considerações que constantemente fazemos acerca da relação que estabelecemos com a língua que falamos ou aprendemos. E, por isso, esta coluna de opinião tentará responder a estas e outras questões. Convidamos o leitor a participar nesta discussão e enviar-nos as suas dúvidas, incertezas, opiniões e pontos de vista sobre aquilo que consideramos ser a qualidade da mente que nos torna humanos: a nossa capacidade de usar uma língua e refletir sobre ela.

 

LUÍS GUERRA

Docente e Diretor do Centro de Líguas da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora

luis guerra