14 Dezembro 2014      23:28

Está aqui

E em Portugal, "Podemos"?

Muita tinta já fez correr o “Podemos”, dentro e fora de portas. O surgimento do movimento veio agitar o panorama político espanhol, mas não só, tem reflexos em todos os que a rodeiam, pois as circunstâncias políticas atuais são semelhantes aos de outros países da Europa ocidental.

Neste momento, e apesar de os escândalos também já terem assolado este “outsider”, a verdade é que o “Podemos” se consolida cada vez mais como a primeira força política espanhola, como comprova a sondagem da DYM Market Research para a edição de sábado do “El Confindencial”, o que mostra que já não se pode dizer que está num estado de graça, mas sim que já conquistou o respeito e intenção de voto de muitos espanhóis (26,9%) que penalizam assim quer PP quer PSOE, onde nem a eleição de um líder jovem e fora do usual, Pedro Sánchez, tem sido suficiente para inverter a tendência.

Como já disse, as razões que levam o “Podemos” a manter-se na “pole-position” das eleições espanholas vão muito além de serem novos; apresentam ideias criativas, praticáveis e sustentáveis como alternativas ao que tem sido praticado, como por exemplo, o seu plano económico.

Um artigo de opinião de João Caraça , Sandro Mendonça e Gustavo Cardoso no jornal “Público” de sexta, punha em destaque este plano económico do “Podemos” com o título “Devemos e Podemos”, precisamente porque, e segundo os autores “representa um corte conceptual do que é a política e do que é a sua prática”. Destacam ainda que o programa substitui a “obsessão com os instrumentos (crescimento do produto interno bruto)” e se foca no essencial de uma governação: a necessidade de atingir os fins (conseguir criar condições para o bem-estar dos cidadãos).

 cicero2

Haverá algo de mais sensato? Haverá outra maneira de governar?

Mas como tudo o que aparece com pensamento diferente da ordem normal das coisas, do que está dentro da “caixa”, aparece logo quem queira denegrir e diminuir; é assim em Portugal também, o que acaba por ser bom sinal; significa que alguma razão lhes reconhecem. Revela o artigo que o PP espanhol, no governo, já apelidou o “Podemos” de “miúdos” e de “populistas” (engraçado, ao Marinho e Pinto não chamaram miúdo!!!), quando, à imagem do que foi feito cá, foram eles quem prometeram baixar impostos, reduzir a precariedade etc. e na prática, depois de eleitos, o que está a acontecer é o contrário.

O “Financial Times” já se referiu aos programas económicos dos partidos recém-surgidos como o “Podemos”, o “Syriza” e o “die Linke” como estando “certos” e contendo “propostas consistentes”; não falamos como tal de gaiatices, mas sim de alternativas credíveis, ainda que fora da comum, e propõe coisas que deviam ser senso comum como um pacto de Estado contra a “desigualdade, a pobreza e a usura”.

As revoluções e os grandes choques dão-se quando os sistemas, as leis, as governações se afastam daquilo que é certo e não são dinâmicas o suficiente para se ajustarem ao meio social que as rodeia, preferindo obedecer a outros desígnios, dando lugar ao surgir de extremismos e pondo em risco a democracia que o “Podemos” vê como “o único regime onde as decisões são tomadas no contexto de uma vontade coletiva”. Defende ainda o partido de Pablo Iglesias que todas e quaisquer operações financeiras devem ser registadas pois esta igualdade faz desaparecer as oligarquias económicas, os paraísos fiscais etc. e põe todos ao mesmo nível.

Dá conta o artigo do “Público” que “o programa escavaca a frase feita mais estéril e hipócrita do planeta, o de que “não há alternativa”. Claro que há sempre alternativa!”. Alegando que é tempo de acabar com a subserviência a que nos temos prestado e prostrado.

Dizia um artigo do Dinheiro Vivo, de junho, que a crise já tinha tirado 3,6 mil milhões aos salários e que tinha dado 2,6 mil milhões ao capital, o que é (além de revoltante e injusto), completamente subversivo do princípio de “bem-estar” da população em prol de interesse privados, pessoais e afins.

Mais recentemente, foi a vez de um estudo da OCDE - têm valor e são de realce quando vão de encontro ao que os governos querem, à propaganda, quando são contra são ignorados; mas ou se dá valor ou não se dá, só quando dá jeito não fica bem…. –  que diz que o rendimento dos ricos é dez vezes superior ao dos mais pobres. Ora eu não sou “expert” em economia, mas tanto quanto sei, maiores assimetrias significam uma economia mais atrasada; sem classe média e semelhante às terceiro-mundistas que se criticam em países não-democráticos em África. É aliás, o inverso do que está a acontecer com os países em grande desenvolvimento como China, Índia e Brasil (embora mais estagnado). A diferença em Portugal atingiu níveis que não se viam há 30 anos e esta desigualdade só tem tendência a aumentar – quem tem menos posses terá menos oportunidades de mudar a sua condição (viva a liberdade, a paz e o pão!) e que sufocam a economia! Então apresentam-se medidas “troikianas” para salvar a economia e afinal elas matam-na mais depressa? Dizem ainda não ser um problema só de Portugal, mas de todos os países desenvolvidos; ora pois, a lógica da ganância e da defesa dos números ante os valores foram as mesmas, só por milagre os resultados seriam diferentes!

Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa dizia em entrevista ao Público que ““Estigmatizamos os pobres em vez de estigmatizarmos a pobreza” - e é verdade. Os “Donos disto tudo” podem já não o ser, mas tiraram o seu quinhão e com consentimento, e muitas vezes conivência e apoio, de quem devia estar a defender a nação e o interesse geral. Os “Donos disto tudo” continuarão aí; uns saem e outros virão para os seus lugares, pois o problema é do sistema e da lógica do sistema e que se estende por todos os poros governativos da nação e consequentes estruturas de poder. 

É neste contexto que propostas válidas como as do “Podemos “ têm que ser tomadas em conta e equacionadas como válidas e alternativas ao que tem vindo a ser desenvolvido e posto em prática até aqui.

João Caraça , Sandro Mendonça e Gustavo Cardoso dizem que em Portugal, além de aproveitar as medidas do “Podemos”, podemos ainda inovar como “transferir a aplicação da sobretaxa de IRS para fora da incidência sobre os rendimentos maioritariamente oriundos do trabalho, isto é, deslocar a sua aplicação para a património mobiliário de empresas e particulares” além de negociar em concertação social um maior equilíbrio e menor disparidade entre os salários elevados, médios e baixos, com reflexos nos setores público e privado, entre outros como “criar condições internas para uma maior fluidez do crédito às empresas” e, em altura de recuperação e expansão tornar cultural as poupanças familiares e fazer uso desses depósitos como fator incentivador “da constituição de um novo tipo de banca cidadã de características mistas público-cooperativas, destinada a providenciar apoio aos investimentos das PME e a constituir uma referência ética perante os restantes atores do sector bancário.”

Segundo eles “podemos e devemos” propor uma revisão da constituição de modo a que o crédito e o financiamento sejam “um serviço público essencial e que a sua concessão obedeça ao interesse geral e não apenas à função de lucro bancário.”

E propõem muitas outras medidas como uma estratégia de apoio à reestruturação das dívidas das famílias, a introdução de práticas de cogestão dos trabalhadores nas empresas e promover a negociação entre Estados europeus para a modificação dos estatutos do Banco Central Europeu para que entre o seu mandato se encontre a economia real e possa colaborar com os governos, requalificar a dívida existente através da mutualização parcial das dívidas da zona euro por via de um “fundo europeu de redenção de dívida”.

Sempre, sempre de modo a sair desta grave recessão interminável e no sentido do bem-estar público, da manutenção do sistema democrático e de um “maior equilíbrio no quadro europeu entre o poder financeiro e o poder político”.

Defendia Jaime Quesado, especialista em Estratégia, Inovação e Competitividade, no “Diário Económico”que é necessário voltar ao investimento, a um novo tipo de investimento, pois ele é a “chave central para uma nova agenda de crescimento."

É preciso inverter o Estado de sítio a que se chegou e isso só se conseguirá com inovação, imaginação, criatividade e talento. Ou os temos ou seremos cilindrados por quem os tiver.

Temos que mudar, temos que inverter o ciclo; o remédio tão publicitado não resulta, experimentemos outro antes de morrer. Inovemos e sejamos uma vez mais líderes do nosso destino. Evoquemos Pessoa, sonhador e visionário: “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce!”

Ora bem, vejamos a agenda… quando é que lhe dá jeito mudar Portugal?