9 Julho 2014      01:00

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Coincidências, Matemática e o Mundial de Futebol de 2014: O Paradoxo do Aniversário

Coincidências

A percepção de que a ocorrência simultânea de determinados acontecimentos é altamente improvável faz com que seja vista como algo de extraordinário, a que chamamos de coincidência.

Diaconis e Mosteller definem coincidência como “uma concordância surpreendente de acontecimentos, percebidos como significativamente relacionados, sem conexão causal aparente ".

Apesar de não haver uma explicação universalmente aceite, variados cientistas e pesquisadores têm proposto diversas teorias para a compreensão das coincidências.

Carl Jung, psicanalista do séc. XX, tentou encontrar a explicação para a existência de coincidências introduzindo a teoria da sincronicidade, na qual a coincidência de factos no espaço e tempo é vista como algo mais que mero acaso, propondo a existência de uma ligação entre acontecimentos psíquicos e físicos.

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Carl Gustav Jung, psicanalista

Entre os que adoptam uma visão mais céptica, a atribuição de significado a coincidências reduz-se à própria natureza humana. A grande relevância que damos às coincidências pode ser explicada pela apofenia, isto é, predisposição de a nossa mente tentar identificar conexões e padrões em dados aleatórios ou sem significado. Outro factor que poderá explicar a importância que atribuímos às coincidências tem a ver com o aumento da percepção de que algo de extraordinário aconteceu quando existe um envolvimento pessoal nesse acontecimento, chamado egocentric bias, havendo a tendência a considerá-lo subjectivamente menos provável do que tivesse acontecido a outra pessoa, Falk (1989).

Do ponto de vista de Diaconis e Mosteller basta que seja considerado um grande número de acontecimentos para que a frequência com que ocorrem coincidências seja significativa. Na sua “law of truly large numbers”, Diaconis e Mosteller (1989) afirmam:

“with a large enough sample, any outrageous thing is likely to happen”

Na realidade, acontecimentos, que do ponto de vista individual de cada um de nós são pouco prováveis, ocorrem com grande frequência quando está envolvido um grande número de pessoas.

Suponhamos que ocorre, por dia, uma incrível coincidência a apenas uma pessoa num milhão. Num país como Portugal, com cerca de 10,5 milhões de pessoas, num ano ocorrerão 3832 incríveis coincidências. Em todo o mundo, considerando uma população de 7 mil milhões de pessoas, ocorrerão anualmente mais de dois milhões e meio de incríveis coincidências.

O facto de não nos apercebermos do elevado número de oportunidades de coincidências que a vida quotidiana fornece associado à incapacidade de estimar a probabilidade de ocorrência desses acontecimentos, leva-nos a subestimar a probabilidade de ocorrência de coincidências.

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O Paradoxo do Aniversário ilustra a ideia de que algo bastante improvável do ponto de vista individual pode, no entanto, ocorrer um considerável número de vezes no geral, pois existe um elevado número de vezes em que os casos individuais são testados.

O paradoxo do aniversário

Ao contrário do que acontece em alguns ramos da Matemática, a Teoria das Probabilidades é fértil em problemas que são facilmente compreendidos por todos, devido à sua estreita ligação com fenómenos do quotidiano. Esse facto leva a que, perante um problema de probabilidades relacionado com um fenómeno que nos é familiar, se proponham soluções sustentadas apenas pelo senso comum e intuição. A frequente simplicidade aparente destes problemas esconde, muitas vezes, um raciocínio complexo que conduz a resultados contra-intuitivos.

Um dos mais famosos problemas cujo resultado tem uma aceitação intuitiva difícil é o “Paradoxo do aniversário”.

Desde que foi proposto por Richard Von Mises, em 1939, o paradoxo do aniversário tem sido estudado por muitos outros autores, sendo comum encontrar na literatura variações e generalizações deste problema. Mas este problema não é apenas uma “curiosidade” matemática. Existem, hoje em dia, importantes aplicações deste problema a diversas áreas do conhecimento de entre as quais podemos destacar a criptografia e as ciências forenses.

Na sua formulação mais simples e mais famosa, o Paradoxo do aniversário questiona:

“Qual deverá ser o número mínimo de pessoas presentes numa sala para que a probabilidade de duas delas celebrarem o aniversário no mesmo dia seja superior a 50%?”

Considerando 365 datas de aniversário possíveis, temos a percepção de que é pouco provável encontrar alguém com o mesmo dia de aniversário que nós. E estamos certos, na realidade, se eu escolher uma pessoa ao acaso, a probabilidade de a nossa data de aniversário coincidir é extremamente baixa,0,0027, ou seja, 0,27%.

No entanto existe um pormenor neste problema que faz toda a diferença. Uma análise pouco cuidada do problema leva-nos a pensar que os 50% se referem à probabilidade de determinada pessoa do grupo encontrar uma outra pessoa que tenha a mesma data de aniversário. Na realidade, os 50% referem-se à probabilidade de alguma das pessoas do grupo ter uma data de aniversário comum com alguma outra pessoa desse grupo. Cada uma das pessoas do grupo verifica, com cada uma das restantes, se os seus aniversários coincidem!

Consideremos um grupo composto por apenas duas pessoas. Para que as suas datas de aniversário não coincidam, a primeira pessoa pode fazer aniversário em qualquer um dos 365 dias do ano e a segunda pessoa pode fazer aniversário em qualquer dia excepto no dia do aniversário da primeira. A segunda pessoa tem portanto 364 dos 365 dias disponíveis. A probabilidade de as duas pessoas terem datas de aniversário diferentes é então

364/365 = 0,9973.

Juntando mais uma pessoa ao grupo, para que as três pessoas celebrem o aniversário em dias diferentes, o dia de aniversário da terceira pessoa não poderá coincidir nem com o dia de aniversário da primeira nem da segunda. Para a terceira pessoa só já existem 363 dias disponíveis. A probabilidade de as três pessoas celebrarem o aniversário em dias diferentes é então

364/365 x 363/365 = 0,9973 x 0,9945 = 0,9918.

Num grupo de k pessoas a probabilidade de todas celebrarem o aniversário em dias diferentes será 364/365 x 363/365 x … x (365 – k + 1)/365.

O acontecimento “pelo menos uma pessoa do grupo tem o mesmo dia de aniversário que outra” é complementar do acontecimento “todas as pessoas do grupo têm datas de aniversário diferentes” , pelo que para que a probabilidade do primeiro acontecimento seja superior a 50% a probabilidade do segundo acontecimento tem que ser inferior a 50%. Determinando o primeiro valor de k para o qual a probabilidade

364/365 x 363/365 x … x (365 – k + 1)/365

é inferior a 50%, obtemos k=23.

A resposta à questão colocada no paradoxo do aniversário é portanto 23!

Ao contrário daquilo que a nossa intuição indicava, com apenas 23 pessoas presentes numa sala existe uma probabilidade superior a 50% de duas delas celebrarem o aniversário no mesmo dia.

Como curiosidade podemos referir que, num grupo de 50 pessoas a probabilidade de encontrar duas com o mesmo aniversário é de 97% e com “apenas” 57 pessoas esta probabilidade é de 99%.

O paradoxo do aniversário no Mundial de futebol de 2014

Numa tentativa de ilustrar o paradoxo do aniversário recorremos às datas de nascimento dos jogadores presentes na fase final do Mundial de futebol de 2014.

Nesta fase final estiveram presentes as selecções de 32 países, cada uma delas composta por 23 jogadores.

Uma vez que o paradoxo do aniversário afirma que num grupo de 23 pessoas a probabilidade de duas delas celebrarem o aniversário no mesmo dia é aproximadamente 50%, esperamos que em cerca de metade destas selecções haja pelo menos um par de jogadores a celebrarem o seu aniversário no mesmo dia.

Com base nos dados biográficos dos jogadores, disponíveis no site da FIFA verifica-se que nas selecções da Austrália, Estados Unidos da América, Camarões, Bósnia Herzegovina, Rússia, Nigéria, Espanha, Colômbia, Holanda, Brasil e Honduras existe um par de jogadores a celebrarem o aniversário no mesmo dia e nas selecções do Irão, França, Argentina, Coreia do Sul e Suíça existem dois pares de jogadores com o mesmo dia de aniversário.

Portanto, das 32 selecções presentes no Mundial de 2014, existem 16 em que pelo menos um par de jogadores celebra o aniversário no mesmo dia, isto é, 50% das selecções presentes.

O Paradoxo do Aniversário verifica-se!