5 Julho 2014      01:00

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China – uma potência diferente dos Estados Unidos

A 21 de maio, deste ano, China e Rússia assinaram um acordo, apelidado de "o negócio do gás do século", em que contratualizaram, após uma década de negociações, o fornecimento de gás natural russo. Um negócio avaliado em 400 bilhões de dólares, por 30 anos, e que seria igual a tantos outros, não fosse o seguinte: ambos países discutiram a hipótese de usar a suas próprias moedas para o comércio um com o outro, facto inédito no comércio energético mundial, e que visa reduzir a dependência face ao dólar, como foi anunciado, num comunicado conjunto, em Xangai.

Este facto, pensou-se, poderia causar muitas ondas na economia norte-americana e, em consequência na economia global, mas não mexeu assim tanto. Ainda assim é uma demonstração clara que o mundo e as assimetrias, pós-guerra fria, entre ocidente e oriente esbatem-se e que a China, mais que a Rússia, está a marcar o seu papel no mercado económico mundial, vendo-a muitos economistas como a substituta dos EUA.

Num artigo publicado no The Diplomat MagazineDingding Chen, professor assistente e administrador da Universidade de Macau, contraria um outro artigo de David Shambaugh, no The National Interest. Nesse artigo, Shambaugh afirma que a China não é, por agora, uma potência global, facto condicionado a cinco grandes áreas: diplomacia interna, capacidade militar, presença cultural, poder económico e o próprio sistema interno, chegando a comparar este crescimento da China com o crescimento que o Japão teve nos anos 80, e que terminou em 30 anos de estagnação.

Chen refere que os argumentos de Shambaugh têm alguma validade, como o facto de China continuar a ser mais reativa e passiva, em termos de política externa, algo que vem desde o tempo da reforma de Deng Xiaoping, e da sua doutrina de «mantenham um “low-profile”». Facto é que essa política externa, fruto de não saber-se apresentar de forma sofisticada à escala global, faz parecê-la ilógica e desastrosa. A China quer comandar, mas não comanda, de modo algum, a diplomacia internacional nem consegue elos de ligação com as políticas externas de outras nações, nem força consensos nem coligações e não apresenta soluções para problemas internacionais.

Ainda assim, contraria-o no resto, defendendo a China, apesar das falhas na política internacional, como uma grande potência. Rebate o artigo de Shambaugh em três pontos importantes.

Primeiro, a definição do próprio conceito de potência global, que não fica bem definido por Shambaugh, que, e de acordo com Chen, utiliza o modelo os EUA como modelo único, não sendo o melhor exemplo porque os EUA, detêm ainda uma hegemonia mundial em muitos aspetos. A influência que os EUA ganharam sobre muitos dos países não tem precedentes na História do Mundo, pelo que a comparação com a China é injusta. Além disso, os EUA beneficiaram do facto das duas guerras mundiais terem destruído as outras potências económicas mundiais. Será impossível à China ser justamente comparada com os EUA pelas diferenças históricas, culturais e sociais, mas se forem tidas em conta essas variantes, se julgarmos a China pelas relações com os outros países neste momento, talvez o seja.

Chen crítica ainda Shambaugh por, em dois dos cinco itens que aponta contra a China, serem de razão material ou estarem relacionados com as capacidades materiais da China (a nível militar e económico), sendo que a presença cultural tem a ver diretamente com a capacidade material. Se for tido em conta o passado dos EUA, no início do séc. XIX, não eram nem uma potência militar, nem diplomática. O normal é que um país seja primeiro uma potência económica e depois militar, e por fim, cultural.

Segundo, mesmo que definição de poder de global de Shambaugh esteja certa, subestima também a utilidade da diplomacia ativa. Veja-se o caso iraquiano e o facto de ter sido invadido à 10 anos, com base numa de George W. Bush, baseada em informações falsas. Neste caso, defende Chen, o Iraque e o Médio oriente, teriam ficado melhor se a atitude dos EUA e, em consequência dos Aliados, tivesse sido mais passiva, pelo que os defensores da diplomacia ativa devem ter este facto em conta.

Por fim, as previsões de Chambaugh, professor de Ciência política e Relações Internacionais na Universidade George Washington, partem, na opinião de Chen, de um ponto de vista pessimista. Concorda que as pessoas não devem estar demasiado otimistas em relação ao crescimento da China, e declara-los já como grande potência. A análise crítica do norte-americano feita à China, não traz nada de novo e insiste nos problemas internos como as desigualdades sociais e os problemas ambientais; problemas que existem há três décadas e nunca impediram a China de crescer.

As questões lançadas por Shambaugh, foram praticamente as mesmas que Gerald Segal (colaborador do Institute for the Study of Conflict,  do Chatham House,e do Institute for Strategic Studies) lançou em 1999, num artigo publicado no “Foreign Affairs”. Atualmente, a questão “A China tem importância?” já nem devia ser colocada, porque Pequim, seja de que ponto de vista for, é já uma potência global em várias dimensões. Dingding Chen refere que daqui a 15 ou 20 anos, esta questão já fará nenhum sentido e que se perguntarão então o seguinte “Como pode a China fazer mais pela sociedade internacional?”. Certamente, sendo uma potência global diferente, a China tem muito para oferecer aos outros países, tal como para aprender.

 

fotos de Pixtal/Grupo Keystone

fonte: The Diplomat Magazine