27 Dezembro 2014      23:29

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2014 ao de leve

Esta é a última crónica de 2014, um ano em que na Europa, a crise Russo-ucraniana mudou as relações e obrigou a EU a deixar a posição passiva de fanfarrão do mundo e tomar posição. Putin assumiu-se como a outra face da moeda e, com uns salpicos de déspota, confrontou os poderes instalados querendo mostrar força. Verdade é que a Europa ficou a descansar à sombra da árvore das patacas e não se preparou para o futuro, que agora é presente e passado. A sociedade do velho continente está mais radical e o racismo, a xenofobia e a intolerância voltaram a assumir papéis preocupantes. A inércia e inépcia foram de tal ordem que os fantasmas da independência da Catalunha voltaram em força e revitalizaram-se com o referendo escocês à sua própria separação das terras de sua Majestade. A Grã-Bretanha que terá, uma vez mais, um papel decisivo no futuro da Europa e na definição do futuro do continente, não só a nível económico como a todos os outros.

Surgiram movimentos políticos de cidadãos em vários países, com destaque para o “Podemos” em Espanha, e que vieram mostrar cartão vermelho aos partidos e às políticas que têm vindo a ser seguidas; distantes do cidadão e longe de o ter como centro das preocupações.

Do outro lado do Atlântico, e se dúvidas ainda houvessem, Obama mostrou-se incapaz de confrontar todos os lobbies a que abriu guerra. Certo é que não será fácil governar com um senado desfavorável e dominado pela oposição, mas de salvador do mundo e Prémio Nobel da Paz (sem ter feito nada de tão relevante assim), Obama passou a ser o pior presidente da história dos EUA como já foi eleito em algumas sondagens internas. Os casos de tortura conhecidos mais recentemente, o caso Snowden, “Wikileaks”, a instabilidade interna, entre outros, deixam os EUA à beira de um ataque de nervos e com eleições no horizonte.

Mais a sul, no México, continuam a desaparecer pessoas, sobretudo estudantes e jornalistas que confrontam o sistema instalado do poder dos cartéis e da corrupção. Pior é que ninguém faça nada, nem mesmo os EUA que por muito menos já invadiram países que até ficam bem mais longe.

O Brasil teve eleições presidenciais e Dilma foi reeleita. A nu ficou um Brasil dividido e ainda pouco habituado a esta coisa da democracia. A campanha fica claramente marcada pela maledicência e ataques pessoais, com confrontos nas ruas entre as fações, ficando por debater temas essenciais para o crescimento e estabilização do país irmão. Aliás, o confronto nas ruas foi algo recorrente no Brasil este ano, uma vez que muitos foram os protestos contra a realização do Campeonato do Mundo de Futebol (e muitos milhões gastos) num país onde ainda faltam estruturas educativas e de saúde básicas.

Em África, a internacionalização e forte crescimento de Angola só não é a nota mais relevante porque o Ébola e os milhares de vidas que ceifou tomam um destaque enorme. O facto de o mundo só reagir à morte de milhares de africanos quando os primeiros casos começaram a chegar à porta de casa diz muito sobre a sociedade moderna que se construiu e que vai assumindo cada vez um egoísmo e egocentrismo atroz, como se só a internet e as relações comerciais fossem realmente globais e não existisse mais nenhum tipo de dependência ou relações entre os vários continentes, assumindo posições que seriam mais facilmente identificáveis com o fundamentalismo islâmico.

Fundamentalismo islâmico que voltou a ganhar muito poder nas confusões geradas pelas “primaveras árabes” na Síria, na Líbia, pela confusão iraquiana e pelo jogo de cintura iraniano. O Estado Islâmico tem conquistado poder bélico, financeiro e comercial e semeia o medo pelo Médio Oriente com práticas de tortura, homicídio, violação etc. e ao qual a “Aliança” faz frente com um ineficaz plano de ataques aéreos, enquanto etnias e minorias são dizimadas por completo.

Mais ao lado, na Ásia, a China continua o seu crescimento, apesar de notar já alguns vícios e problemas de país desenvolvido como um desemprego enorme e uma produção excessiva. Quanto à democratização do país, continua tudo igual, e o caso de Hong Kong só veio chamar a atenção do mundo que pode haver lobo escondido em pele de cordeiro.

Quem não é certamente cordeiro é o líder norte-coreano, que entre proibições e obrigações estúpidas relacionadas com o nome ou o corte de cabelo deixa a nu uma ditadura vazia e sem conteúdo a não ser a de manter os mesmos onde estão.

Internamente, Seguro saiu e Costa entrou numa guerra que não foi bonita mas que deixou uma marca forte na democracia portuguesa: as primárias. Quem também entrou foram muitos estrangeiros através do “visto dourado” que afinal faz dourar as contas pessoais de muitos responsáveis. Enquanto os “dourados” entram, milhares de jovens qualificados saem.

Quem saiu também foi a “troika”, pelo menos na teoria, já que na prática o sufoco dos inocentes continuou. No entanto, parece que a crise acabou no dia de Natal com o discurso do Primeiro-ministro. No dia 26, já não havia nuvens negras e Portugal parece que voltou a ter futuro. Segundo consta, estamos todos de parabéns; eu também acho, sobretudo porque cerca de 87% do aumento de receitas se devem a aumentos de impostos suportados por nós. Estamos de parabéns por ainda conseguirmos respirar sem ser taxados ou por ainda teimarmos em acreditar que um dia seremos um país a sério.

Sócrates foi detido e o caso dos submarinos foi ao fundo; segundo percebi por falta de provas. Mas não foi na Alemanha e na Grécia que foram detidos uns quantos pelo mesmo caso? Isso não bastava como prova?

O Cante foi eleito Património Mundial Imaterial da Humanidade e mostrou uma rara mas genuína onda de união fraternal entre todos os alentejanos espalhados pelo mundo. Devagar, devagarinho, o Cantou soou mais alto e todo o mundo o ouviu.

Também Malala Yousufzai e Kailash Satyarthi viram os seus esforços na luta pelo Direito à Educação reconhecidos com o Nobel da Paz. Os ataques a escolas nos países do Médio Oriente só evidenciam que são a Educação e o saber os mais fortes garantes da democracia e da igualdade de oportunidades; da justiça social e da verdadeira evolução da espécie humana.

Para mim, só um senhor se destacou mais que Malala e Satyarthi, um argentino que gosta de futebol, mas que não se destaca por isso: Jorge Bergoglio, mais conhecido como Papa Francisco.

Não nego que desconfiei inicialmente da sua simplicidade, do corte radical com o que vinha a ser o ostentar da opulência do Vaticano. Pensei que era marketing, estratégia para voltar a encher as igrejas. Agora acho que Jorge Bergoglio é mesmo uma boa pessoa que assumiu um papel de destaque; um papel onde pode fazer algo e para o qual transportou as suas qualidades pessoais e as marcas distintivas, aplicando-as nos seus atos, realmente condizentes com elevados valores éticos e morais; aquele tipo de valores que são transversais a várias religiões, ateus e agnósticos. Corajoso, o argentino assume o confronto com “establishment”, sobretudo o interno, e põe o dedo nas feridas do Vaticano e nas falhas da igreja, aquelas que muitas vezes soaram a hipócritas e contra a própria palavra apregoada. Fez pela paz, pela justiça e obrigou ao imperar do respeito e bom senso pelo ser humano, cristão ou não. Recomendo que se veja com atenção a entrevista dada a Henrique Cymerman e que passou recentemente na SIC.

Este ano marca ainda o surgimento do Tribuna Alentejo. Um projeto que se quis diferente, solto e fresco no panorama da imprensa alentejana. Passados poucos meses, você que nos lê, já nos colocou em patamares que desejávamos, mas que não estavam nas nossas perspetivas a curto-prazo. É bom, é gratificante saber que muitos são os alentejanos, e não só, que gostam de nos ler. Dá-nos mais vontade, mais responsabilidade e mais qualidade. Por isso, 2015 marcará também o crescimento, a evolução do Tribuna; teremos nova casa, novas rubricas mas a marca distintiva de sempre e que nos trouxe até aqui.

A todos vós que nos ajudaram a crescer: obrigado e bom de 2015! Contamos consigo!