1 Dezembro 2014      00:00

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“Portugal, la nueva colonia de Angola”

“Portugal, la nueva colonia de Angola”, por mão de uma ”princesa” e da cúpula militar. Foi com este título que Portugal foi apresentado em Espanha no artigo do “El Confidencial” e que contava como a elite angolana “colonizou” Portugal.

“Era uma vez, um presidente muito, muito rico, que durante 35 anos dirigiu um país abandonado por gente muito, muito pobre. Este homem de negócios africano teve uma filha, a “princesa”, que seguiu o percurso do progenitor e investiu em empresas nacionais e estrangeiras até se converter na primeira bilionária em África. O seu dinheiro, junto a um grupo muito seleto de privilegiados, mudaram a face da história pós-colonial, tendo Portugal e Angola invertido os papéis de metrópole e colónia.“

O que começou como um qualquer conto vulgar tornou-se realidade em Portugal, onde a economia só começou a recuperar após a intervenção da “troika” durante três anos e enquanto a corrupção mostrou ter tentáculos por vários sectores e níveis da sociedade. Foi no meio desta confusão que, e de acordo com fontes do “El Confidencial”, se tornaram fortes as “microelites forjada nas altas esferas políticas e militares angolanas, com a submissão e subordinação dos sucessivos governos portugueses.”

O mais importante tecido empresarial português está já na mão de capital estrangeiro, sobretudo angolano, chinês e brasileiro. A debilidade financeira foi um estímulo para o capital estrangeiro e desde maio de 2011, início do resgate, que Portugal cede as suas posições em empresas tão importantes e emblemáticas como: a energética GALP, a PT, o BCP, a EDP, o BPI, a ANA, a CIMPOR… quase como que efeito dominó (a TAP está no linha para ser a próxima e, de acordo com a SIC, passará para mãos brasileiras) e é impossível hoje falar delas sem mencionar as ações em posse estrangeira.

Chama à atenção a presença de um grupo seleto de angolanos, fixos no meio acionista, de investimentos, ofertas públicas de aquisição e especulação. As relações luso-angolanas remontam muito atrás, uma vez que Angola foi colónia portuguesa até 1975, mas neste momento os termos da equação mudaram; “As relações têm envolvido uma componente sentimental, numa base de amor-ódio que se vai moldando de acordo com as circunstâncias.” – explicou Celso Filipe, diretor do “Jornal de Negócios” e autor do livro “O poder angolano em Portugal.”

 

 

Petróleo e diamantes na esfera do poder

O homem que enriqueceu tem um nome, José Eduardo do Santos, presidente de Angola desde 1979 e conhecido pela alcunha de ”petroditador”. O país cresceu como quase nenhum outro na última década (cerca de 10% ao ano), sustentado na linha petrolífera (membro da OPEP desde 2007) que representa cerca de 85% do PIB e no negócio dos diamantes (é o 4º maior produtor do mundo), que representa mais 5%. Este país é o mesmo em que quatro em cada dez pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza e sete são analfabetas. São estes os números do Banco Mundial e das Nações Unidas que colocam Angola no 147º lugar (de um total de 187) nos índices de desenvolvimento humano.

Formado na União Soviética, o presidente converteu-se ao “agarra o que puderes do capitalismo” a finais dos anos 90, como escreveu o jornalista angolano Rafael Marques, preso em 1999 por críticas ao regime de José Eduardo dos Santos. Desde então, da década de 90, que o governo angolano assina e outorga concessões ao capital privado estrangeiro para a construção civil, exploração de minas, bem como para a implantação de redes telefónicas e bancos. Posteriormente, numa segunda fase, essas empresas são participadas diretamente (e muitas vezes mesmo compradas) pelo séquito presidencial.

 O processo repete-se no mais variados setores estratégicos, com a banca sendo o paradigma por excelência. Os primeiros bancos privados que abriram em Angola estiveram ligados aos investimentos portugueses a meados de 2000, o ano do “boom” petrolífero. Destaca-se o BES, que estendeu as ligações a Angola através da ESCOM (Espiritu Santo Commerce) e do BES A (Banco Espírito Santo Angola), sendo os grandes acionistas as caras que rodeiam o presidente José Eduardo dos Santos.

“São os mesmos que acabariam por converter-se em investidores de destaque em Portugal”, acusa Jorge Costa, dirigente do Bloco de Esquerda e coautor do livro “Os donos angolanos de Portugal”. Refere ainda que são “uma elite económica que acumulou uma quantidade gigantesca de capital à custa da apropriação de recursos público angolanos e petróleo. Pertencem todos às altas esferas do poder político e militar de Angola. Os seus movimentos tem origem em decisões tomadas ao mais alto nível, na presidência de Angola.”

 

Uma cara conhecida das revistas “ cor-de-rosa”

O reduto elitista em volta de José Eduardo dos Santos é muito fechado, controlando tudo em Angola e em Portugal. Fazem parte a filha, o responsável da Casa Militar e o vice-presidente e ex-CEO da SONANGOL. De todos estes destaca-se Isabel dos Santos, a filha mais velha, e, de acordo com a lista anual da revista “Forbes”, a mulher mais rica de África. A sua fortuna está em 3 mil milhões de euros (outras informações acrescentam mais mil milhões), e inclui participações em empresas desde a banca à energia, passando pelas telecomunicações. O seu “low-profile” (não dá entrevistas e só participa em atos públicos) contrastam com o seu apetite voraz no investimento e no mês passado (novembro) apresentou uma oferta pública de aquisição no valor de 1210 milhões de euros pela PT. Dizem os espanhóis que a “princesa angolana” não dá ponto sem nó.

Quanto tinha 24 anos (tem 41) era sócia de um pequeno bar-restaurante em Luanda e, atualmente, só em Portugal, tem participações na GALP, no BPI e na NOS, além de estar ainda no banco BIC, o banco privado angolano. Esta personalidade e o seu enriquecimento levanta, para o “El Confidencial”, a curiosidade: êxito ou herança paterna? Ser filha de quem é pode levantar suspeitas, mas Isabel dos Santos nega a maior parte. O subdiretor de “Jornal de Negócios” esclarece a razão do êxito: “Mantêm sempre um selo próprio e que passa pela aposta em três áreas chave: telecomunicações, banca e energia. A sua influência transvasa qualquer estratégia política que possa imputar-se ao Governo de Angola. Mesmo sendo filha do presidente e beneficiando desse estatuto, o grau de sofisticação dos seus negócios é exclusividade sua.”

 

 

Ofensiva em setores-chave

Num Portugal ainda ferido pelos ajustes do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, o crescimento das antigas colónias é uma via de escape, uma vez que só no primeiro ano de “troika”, emigraram para antigas colónias entre 120 e 150 mil portugueses. Celso Filipe situa a presença angolana em Portugal entre os 6 e os 10 mil milhões de euros e que “podem ser mais, pois existem muitos investimentos de natureza pessoal, por exemplo, no negócio imobiliário, e que são impossíveis de quantificar.”

A presença das ex-colónias em Portugal ainda não representa 1%, mas a tendência está a aumentar e concentra-se em áreas essenciais. Em concreto, o investimento angolano cresce a um ritmo frenético: entre 2002 e 2012 multiplicou-se 35 vezes, tendo em conta que há montantes não contabilizados porque, segundo indicam os entendidos, algumas transações são processadas através da Holanda, onde os grupos económicos de ambos os países beneficiam de condições fiscais paradisíacas.

Os grandes grupos empresariais portugueses estão hoje marcados por uma burguesia angolana constituída rapidamente e à sombra dos lucros do petróleo, revela o artigo, sendo os investidores estrangeiros com mais peso no PSI-20, o principal índice da Bolsa de Lisboa, com posições de cerca de 3 milhões de euros.

Mas Isabel dos Santos não é a única protagonista. Deste círculo de poder sobressai ainda o general Vieira Dias, conhecido como “Kopelipa”, chefe da Chefe da Casa Militar e considerado o segundo homem mais poderoso de Angola, que investe essencialmente no domínio imobiliário; Manuel Vicente, vice-presidente e ex-CEO da SONANGOL que se destaca com ações do BCP e GALP e a quem atribuem uma forte influência no setor energético. A fechar o grupo está António Mosquito, empresário com presença na “Controlinveste”, a empresa de comunicação que detém marcas mediáticas na imprensa escrita, rádio e multimédia. A chave está, de acordo com um entendido, em investir nos meios de comunicação que, mesmo não sendo muito rentáveis, são um instrumento de influência política muito importante para o capital angolano.

 

Porta de entrada para a Europa

De metrópole a colónia? Enquanto alguns falam de mais um episódio extraordinário na história dos povos, outros revestem a questão de populista. Além dos vínculos históricos, culturais e linguísticos, em Portugal os angolanos encontram também mão-de-obra especializada, “know-how” e um sistema económico ao abrigo da União Europeia. Em contrapartida, os empresários portugueses procuram encontrar fora de portas a salvação para os seus negócios e manter os seus lucros apesar da crise. Os vínculos e os interesses mantêm-se apesar da falta de empatia óbvia entre José Eduardo do Santos e Pedro Passos Coelho, “na articulação de relações, desempenham um papel fulcral dezenas de antigos membros de governos portugueses” lê-se em “Os donos angolanos de Portugal” que identifica cerca de trinta ex-ministros nos quadros de empresas com grandes interesses em Angola ou mesmo angolanas. Esta afirmação que dá mote às palavras de um coautor do livro “ são interesses cruzados ao mais alto nível, entre a família do poder em Angola e os sucessivos governos portugueses, tanto com o anterior governo como com o atual.”

Uma fonte oficial defende estes investimentos como uma “prova de confiança na economia portuguesa e na capacidade das nossas empresas.” Enquanto os críticos falam de mão-de-obra qualificada a baixo-preço e com o bónus de permitir a entrada no mercado europeu. O certo é que o processo de relações não conhece paralelismos na história do pós-colonialismo.  

“Somos um país muito vulnerável á pressão do dinheiro angolano. Convertemo-nos num investimento externo seguro, e que está resguardado de qualquer alteração política que possa surgir em Angola.” - Critica Jorge Costa que prossegue advertindo para o duplo perigo de “os recursos estarem a ser entregues ao capital angolano serem essenciais para a autodeterminação do país e para a capacidade de resposta à situação de crise profunda e à austeridade permanente em que estamos afogados.” Resume Celso Filipe: “Portugal necessita do capital angolano e Angola precisa dos portugueses para desenvolver-se”. Alerta para os “perigos de excessiva dependência”, materializada pelo riso de se converter num “destino de investimento cuja proveniência é questionável. Mas esta análise é extensível a outros países da Europa que apostam por Angola, e são muitos. Sendo, por exemplo, Espanha destino de férias de José Eduardo dos Santos, país onde recebe também cuidados médicos.

 

Pesquisa, tradução e adaptação de Luís Carapinha