Quem se senta nas areias da Praia do Malhão, em Vila Nova de Milfontes, a contemplar o mar e a paisagem envolvente, dificilmente supõe que, o que hoje é o resistente promontório que suporta as tardes de pescaria de diversos turistas e habitantes da região já foi um campo de dunas como as que existem atualmente na parte norte desta praia.
Observando a solidez da rocha, cuja imponência faz os pescadores que a coroam parecerem seres liliputianos, não é fácil acreditar que, em tempos remotos, este local era uma zona de acumulação de areias soltas, remexidas pelo vento, onde cresciam inúmeras plantas e circulavam muitos animais. Olhando mais atentamente o rochedo vaticina-se alguma contradição na transformação da areia em arenito sólido num local permanentemente atacado pela força das ondas…
Teremos então que admitir que, para que os grãos de areia solta se tenham agregado, cimentado e originado o rochedo de arenito, muitos milhares de anos tiveram que passar, pois esta transformação é um fenómeno geológico extremamente lento.
Facilmente concluímos que o mar não podia fustigar o local onde sucedia a metamorfose de areias soltas em arenito consolidado. A transformação teve que ocorrer num período em que o nível do mar estava bem mais abaixo do nível atual ou seja, se entrássemos numa máquina do tempo e retrocedêssemos 40 mil anos teríamos que percorrer dezenas de metros entre o que é hoje a praia onde hoje estendemos a toalha e o mar onde, nesses tempos, podíamos mergulhar.
Se fosse possível fazer essa viagem ao passado seria com estupefação que, no sítio que é hoje conhecido como Alturas do Norte, nos poderíamos cruzar com animais que nunca suspeitamos terem existido no nosso país: os elefantes antigos (Elephas antiquus). Os elefantes, que nesses tempos percorriam a zona da Praia do Malhão, tinham uma forma semelhante aos atuais mas um volume superior. Esses animais calcorreavam as areias do sudoeste alentejano nas suas rotas migratórias.
Foi numa dessas jornadas, pelas antigas paisagens do Alentejo Litoral, que uma manada de Elephas antiquus deixou marcadas, na areia, as suas pegadas, sob a forma de 3 trilhos que ficaram fossilizados no arenito que hoje forma a extremidade sul desta praia.
O achado destes três trilhos de elefantes foi o primeiro da Europa continental. A descoberta foi atribuída a uma equipa de investigação do Geopark Naturtejo liderada pelo paleontólogo Carlos Neto de Carvalho.
Atualmente, as pegadas de elefante, fossilizadas, conseguem visualizar-se num enorme bloco que se soltou da arriba costeira porém, correm o risco de se perderem para sempre. O elevado custo associado ao resgate do referido bloco implica encontrar soluções como a execução de réplicas das pegadas, com resinas duradouras, para posterior conservação.
Se na tal máquina do tempo conseguíssemos viajar até a um futuro próximo seria tranquilizador constatar que as entidades que gerem o Litoral Alentejano tomaram medidas e promoveram iniciativas para a divulgação e conservação deste património geológico tão precioso. Tal seria crucial para evitar que, ao viajarmos para um futuro muito mais longínquo, nos encontrássemos arrependidos de ter deixado apagar (pela erosão provocada pelo tempo, pelo mar e pelo vento) uma informação tão importante na história do nosso planeta.
Imagem de capa daqui.