27 Março 2016      10:52

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IMPOTÊNCIA CULTURAL

"TEXTURAS"

Em Évora, numa parede da Rua José Elias Garcia, há um graffiti, fotografado em diversas ocasiões e divulgado na internet, que me marcou tanto pela pujança da ideia veiculada como pela justeza da justaposição intensa e incisiva de duas simples palavras: “Impotência Cultural”.

Confesso que sempre que o vejo, sorrio, para não chorar, e, invariavelmente, materializa-se na minha mente a ideia de um mundo frio e hipócrita, que não assume a sua mediocridade, disfarçando-a com floreados hostis de tradição.

A impotência, segundo os nossos dicionários é a falta de poder, de força e a impossibilidade física ou moral de concretizar algo e o conceito de impotência cultural prende-se com a evidente falta de vigor da cultura na nossa sociedade.

E o que é a cultura? É, na verdade, um conceito bastante abstracto (que, claro está, não pretendo definir exaustivamente nestas poucas linhas), na medida em que se pode relacionar com os mais diversos âmbitos, sendo, simplificando ao máximo, tanto a tangência como a confluência entre o conjunto dos conhecimentos adquiridos por um indivíduo, os hábitos de determinada sociedade e a congregação das manifestações artísticas e intelectuais de um país. Trata-se, assim, de uma espécie de encruzilhada em que se juntam vários itinerários, secundários e principais, aos quais devemos ter livre acesso e por onde, supostamente, podemos circular livremente.

Desta forma, poder-se-ia pensar que, facilmente, em qualquer momento, quando ligássemos a televisão, por um lado, teríamos acesso a esse conjunto de manifestações artísticas e intelectuais; por outro lado, seríamos brindados com a aquisição de novos conhecimentos e, de igual forma, poderíamos esperar que o que aí se apresentasse à vista do espectador, seria verdadeiramente representativo do melhor da cultura de um povo. Pois, em teoria, deveria ser assim.

Mas, o que representa melhor a cultura de um povo? A sua música popular? O seu espólio museológico? As suas obras literárias? A sua etnografia? Na minha modesta opinião, tudo isso e mais ainda. E deixando de lado pseudo-intelectualismos, sectarismos e nacionalismos, creio que é simplesmente o que faz jus à identidade de um país, isto é, o que mais valoriza os seus seres pensantes e criativos como indivíduos, que felizmente, evoluem há duzentos mil anos.

Portanto, não se trata claramente de representatividade, porque, se assim fosse, levariam a palma, as quezílias futebolísticas, as novelas insípidas e os reality-shows asquerosos em horário nobre.

Desta forma, creio que é legítimo, depois de tantos homens, em várias alturas da História da Humanidade, se terem batido para que nós pudéssemos viver sob a égide da igualdade, da liberdade e da fraternidade, recusar-me a aceitar como cultural tudo o que seja degradante para a imagem do homem ou da mulher; tudo o que não promova o respeito e o fair-play; tudo o que não incentive a paz e o entendimento entre pares; toda e qualquer actividade que permita que pessoas ou animais sejam mortos, feridos, maltratados ou achincalhados para deleite dos espectadores; finalmente, toda e qualquer actividade que não dignifique o suposto estatuto de superioridade do ser humano.

No fundo, valorizar a cultura é, naturalmente, valorizar-se, mas não esqueçamos que, para além de ser a imagem de um povo, é também uma arma potente e, nos tempos que correm, é urgente aprender a desembainhá-la!