10 Fevereiro 2020      15:46

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God Told Me To – parte 1

God Told Me To (1976), de Larry Cohen

Crentes ou não, nada nos prepara para um filme como God Told Me To, do hoje esquecido Larry Cohen. Filme que se dobra e desdobra sobre conceitos adquiridos e outros intuídos que, acreditem, ninguém ousou agregar deste modo.

Deus enlouqueceu – concebeu um mensageiro, deu-lhe corpo e função e, na sequência, determinou uma forma de expressão: o homicídio indiscriminado. O deus criador sonhou-se omnipotente, semeou a existência e depois, enfim, não muito depois, fartou-se da sua criação – uma entre muitas, ao que se supõe. Então, ao tédio sobrepôs-se a fúria. Tenta livrar-se dela desde essa noite dos tempos; é um deus resiliente, e compensa com paciência a falta do poder integral (perfeição é a única palavra que o pode definir, e não cabe em lugar algum do Universo), mas a dita criação, agora espécie, dada a sua condição viral, resiste. Curiosamente resiste para lá da sua especificidade – isto em relação ao seu meio-ambiente, claro está. Resiste mesmo sem saber que resiste, sem estabelecer uma ligação racional com o acto de defesa.

O autodenominado sapiens resiste, não apenas porque pensa em termos abstractos e, por essa razão, vê para lá de si próprio, mas porque há no seu modelo uma resistência inerente, uma defesa inexprimível e levada ao ínfimo do dever orgânico (a implacável função do gene, afinal). Por outras palavras, resiste até na ignorância. Ora, uma resistência não calculada reverte inevitavelmente na perplexidade (inicial) e – sobretudo quando o ataque vem de um criador que junta habilidade e cinismo, i.e., a frustração de um poder paredes-meias com o absoluto, mas com a porta de acesso trancada – no caos (o duplo movimento: causa – efeito). Para esse criador, mais do que um falhanço, o sapiens é um falhanço que se recusa a desaparecer. Então, porque não transformá-lo noutra coisa qualquer? E pelo caminho, o gostinho especial de tornar física a escravidão moral da religião para os que restem, enquanto a espécie for evoluindo, no sonho de ficar mais próxima do seu criador?