21 Setembro 2019      10:49

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Falta de visão estratégica para o Alentejo

Participei recentemente numa iniciativa organizada pela “Plataforma Alentejo – Estratégia Integrada de Acessibilidade Sustentável do Alentejo nas ligações Nacionais e Internacionais”. Na sessão desenvolvida em Évora foi realizado um importante debate sobre as acessibilidades e transportes que devem ficar inscritos no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) e considerados no Programa Nacional de Investimentos - PNI 2030. Uma iniciativa notável!

A Plataforma Alentejo tem vindo a desenvolver bastantes iniciativas sobre esta temática, área que é altamente decisiva para o desenvolvimento do Alentejo. Outra das vantagens da Plataforma Alentejo tem a ver com o forte envolvimento de entidades e personalidades credíveis, capazes de se organizarem em defesa do Alentejo e do País. Estão de parabéns!

Deixo para reflexão alguns dos detalhes da minha intervenção apresentados na referida sessão. Como nota adicional, quero também deixar claro que todas as reflexões que apresentei têm feito parte das múltiplas intervenções e textos / crónicas que tenho proferido ao longo de vários anos.

Ora vejamos:

Cerca de 2/3 das verbas aplicadas pelo QÇA I (Quadro Comunitário de Apoio) e QÇA II foram investidas na Grande Área Metropolitana de Lisboa. O Alentejo representou cerca de 4% desses investimentos.

No QCA III e QREN modificou-se um pouco esta situação, sobretudo devido à alteração das taxas de comparticipação (menor comparticipação comunitária na Grande Área Metropolitana de Lisboa e maior nas regiões de convergência – Objectivo 1), assim como, a introdução de Alqueva  (e todas as infraestuturas envolventes) na programação e aplicação dos fundos.

Na actual programação do Portugal 2020 (Acordo de Parceria 2014-2020) estava previsto que 93% dos fundos fossem aplicados nas regiões de convergência, entenda-se Alentejo, Centro, Norte e Açores.

Tudo isto foi alterado há pouco tempo. Um simples exemplo: com o argumento da descarbonização vão ser investidos 210 milhões de euros no alargamento do Metro de Lisboa. Mais dinheiro para Lisboa, retirado claramente às regiões de convergência, nomeadamente aos territórios de baixa densidade. Isto é o que foi feito recentemente na reprogramação do Portugal 2020.

A coesão não pode ser apenas uma palavra simpática para se dizer de vez em quando. Tem que ser uma prática permanente.

Apostar na coesão territorial, investir no interior, apoiar os territórios de baixa densidade, apoiar quem resiste nestes territórios, são opções de coragem política. E é aqui que entra precisamente o Aeroporto de Beja.

Apostar no aeroporto de Beja e em infraestruturas com impacto económico nos territórios de baixa densidade é uma questão de coragem política. Significa que é preciso coragem para dizer que o Aeroporto de Beja deve servir Lisboa, mas para isso, Montijo e Alcochete não devem ser opções.

Ligar o Aeroporto de Beja a Lisboa é fundamental. Electrificar a linha de Beja - Casabranca é decisiva para o território. Infraestruturar a linha da Funcheira a Beja é decisiva para a economia das terras brancas, nomeadamente para a competitividade do sector mineiro. Concluir o troco A26 / IP8 é também decisivo.

Estes investimentos rondam cerca de 150 milhões de euros (se juntarmos a ligação à Funcheira são sensivelmente mais 100 milhões de euros). São investimentos residuais quando comparados com outros que são apontados para o País.

 

Quando ouço dizer que o aeroporto de Beja não tem viabilidade para servir Lisboa, não me parece que faça sentido. Existem muitos aeroportos, sobretudo utilizados por companhias low cost (baixo custo) afastados das capitais de diferentes países, que servem essas capitais e/ou cidades de muito maior dimensão do que é o caso de Lisboa. Estamos a falar de uma proximidade por ferrovia cerca de 1:15h de Lisboa.

Não é nada significativo. Em média os voos aterram no aeroporto de Lisboa com um atraso cerca de 2 horas. Na perspectiva de um passageiro, o que é preferível, 2 horas de atraso ou 1 hora e pouco de viagem entre Beja e Lisboa)?

Esta aposta também é estratégica porque ajuda o território a integrar as suas principais âncoras. Estamos a falar de Alqueva e de todas as suas valências. Estamos a falar dos produtos de Alqueva e apostar na sua transformação na região. Estamos a falar do Porto de Sines, de todas as suas valências. Estamos a pensar no ensino superior, na ciência e tecnologia, articulada em todo o território.

Sim, o Aeroporto de Beja é uma aposta estratégica que pode ajudar a desenvolver um território de baixa densidade, como é o caso do Alentejo.

O que não é estratégico é apostar numa linha de ferrovia de mercadorias Sines – Caia sem que esta sirva a região Alentejo, ou seja, estamos a falar dum mero corredor ferroviário de mercadorias sem paragens na região. Ficar a ver os comboios a passar tem pouco interesse para o desenvolvimento do Alentejo. Por muitos esforços que estejam agora a ser desenvolvidos, é assim que estão programados estes investimentos.

Esquecer a criação de estações / cais de mercadorias no território (Vendas Novas, Évora e Zona dos Mármores), isto sim, é falta de visão estratégica.

Apostar numa linha de mercadorias (onde são transportadas mercadorias perigosas) a passar na malha urbana de Évora é errado. Isto sim, é falta de visão estratégica.

Não prever previamente a utilização da linha Évora - Caia como linha de passageiros, isto sim, é falta de visão estratégica.

Não prever as interligações, nomeadamente as ligações locais e respectivas infraestruturas de base no futuro Hospital Central do Alentejo em Évora, isto sim, é falta de visão estratégica.

Na realidade, penso que estamos todos fartos de falta de visão estratégica. Já não é falta de visão, é cegueira!