30 Junho 2018      12:55

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Dores de cabeça e caspa

Cheguei a casa hoje. Amanhã, quando estiverem a ler isto, será hoje, mas será o dia seguinte, logo aquilo que sabem amanhã, escrevi sem saber o que acontecerá até lá. Quando comecei este texto, tinha chegado a casa há três horas. O meu pai assou sardinhas, a minha mãe preparou uma salada. E eu senti-me feliz por estar em casa. Não tinha dores de cabeça, muito menos caspa. Daí o título do texto desta semana. Não tem relação especial ou privilegiada com nada. É simplesmente uma frase sem verbo. Há só o sujeito.

O sujeito estava na prisão. Não se recordam dessa piada. Eu lembro-me. Neste caso o sujeito sou eu. Falei de piadas, falei de viagens. Viajar é bom. Acho que, no fundo, o melhor de todo o mundo, de todas as viagens, mais do que o dinheiro que possamos arrecadar, são as viagens. De que me serve a casa milionária se nunca sairei do raio dela. Nunca serei verdadeiramente feliz. Entendam que o conforto da casa é uma bateria de lítio. Tenho duas casas, Aquela que me acolhe e onde me sinto bem e esta, a mesma onde nasci. Sim, nasci em casa. Na cama que me acolheu até há poucos anos, quando me compraram nova mobília. É estranho, pensar que nascia no mesmo sítio onde dormi anos, interruptamente. Comecei a trabalhar fora de Portugal há mais de 12 anos e hoje em dia já não sei como me devo identificar.

Sei ao certo que tenho dores de cabeça. Caspa nem tanto. No entanto, a caspa é uma coisa chata. Em inglês diz-se dandruff. Em português, caspa. Dores de cabeça. Hoje não tenho. Revi os campos e as planícies do Alentejo, tão calmas e tão sossegadas como o verão. Ao longe o calor faz sentir na pele as saudade. A pele fica mais torrada quanto as saudades que temos. A minha torra com facilidade. Embora não demonstre, sinto profundamente cada particularidade deste meu Alentejo, desta minha terra, dos meus campos, ora verdes, ora secos. Hoje vi, com olhar de quem vê, os campos secos, tostados do calor.

As sementeiras de trigo que me dizem que estão prontas a dar o pão. Sei que é recorrente falar do alimento. Sei que vos maço com o trigo, a farinha e o pão. Não falarei deles excessivamente, não falarei da água. Essa água que não caiu e que depois caiu demais e hoje, se esconde em outros sítios do mundo. No Alentejo não chove. Há só a planície seca, há só o campo e as azinheiras que estão lá para as ovelhas que pastam se abrigarem do calor. Quarenta e dois graus à sombra. Dores de cabeça. As ovelhas, essas, têm lã, mas não têm caspa.

Desculpem-me se sou redundante. Desculpem se hoje, que é amanhã, que já foi ontem, o tempo não passa. Talvez, na ideia, passe um insecto que segue um caminho em busca de alimento e que se detém no meio do caminho, no pasto. Sinto-me em casa, não tenho dores de cabeça. Normalmente não as tenho. Não há muito que me faça perder o sorriso. Só quando durmo pouco fico menos bem-disposto. Todos nós teremos os nossos pontos fortes e fracos. Algumas pessoas demonstram-nos bem, outras conseguem esconder a sua essência. Há que procurar essa mesma essência em todas. Algumas têm caspa. Outras dores de cabeça. Não tenho, agora, nem uma nem outra. Só um sorriso no rosto de quem vê o lado bom em todas as pessoas. Verdade. Até naquelas que, na sua verdade, pensam que o têm e atropelam os caminhos, ultrapassam em alta velocidade os veículos que aparecem à sua frente. No seu fundo, seguem o princípio que acham certo, no seu fundo, sentem, como todos os outros. No seu fundo, partilhas dores de cabeça e, atrevo-me, têm caspa. Não tem problema, basta que a sacudam dos ombros. Todos somos bons a fazer isso. E, dito isto que, parecendo nada, foi muito, venham os sorrisos. É bom estar em casa. 

 

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