25 Julho 2018      12:58

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Da Austrália, uma perspectiva da realidade internacional

Estando a participar num dos maiores eventos internacionais de Ciência Política, Congresso da IPSA, em Brisbane, na Austrália, e apresentando palestra sobre questões de relações internacionais, concretamente em matéria de poder mundial, realçar o posicionamento ou a perspectiva analítica da principal imprensa local, como por exemplo, Sydney Morning Herald e The Australian. Como primeiras, palavras, cabe-nos tecer uma simbólica homenagem a um colega e amigo, que já cá não se encontra, da Universidade de Évora e da sua Escola de Ciências Sociais, Professor Francisco Ramos, por sinal, tendo ambos em comum a Antropologia Cultural herdada da nossa escola do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da então Universidade Técnica de Lisboa, que em tempos deteve a mesma oportunidade que agora me cabe, de conhecer um continente nas antípodas, a Austrália.

Das análises lidas e da troca habitual entre colegas, não deixa de ser interessante verificar que afinal até neste outro lado do mundo, existe uma diferença acentuada sobre o olhar da realidade internacional.

Na verdade, antes de se tecer qualquer consideração de índole analítica no tocante à arena internacional, Brisbane configura-se como uma cidade do século XXI, onde coabitam simultaneamente a inovação, a tecnologia e o legado de épocas passadas da sua história, não renegando os seus valores e as suas raízes, ao contrário, pretende-se colocar a política ao serviço da comunidade, do simples cidadão para que este possa desenvolver em harmonia com os seus. Não existem referências a comunismos, socialismos, direitismos, negação de valores, da história, ao contrário, há sim aceitação natural daquilo que as anteriores comunidades representaram. Aliás, não existem referências à Europa, as poucas são extremamente negativas, dada a realidade que se vive no velho continente, por sinal em contínua decadência, onde várias europas emergem afastando cada vez mais os seus cidadãos, além da crescente partidarização no seu todo.

Daqui, constata-se que de momento surgem três líderes das maiores potências mundiais, Donald Trump, Vladimir Putin e Xi Jinping, respectivamente, Estados Unidos, Rússia e República Popular da China. De comum, pode-se sublinhar que todos eles pretendem dominar a política mundial, as relações internacionais, regressando como a um tempo longínquo no passado da então Guerra Fria. Das incertezas que surgem, derivam em parte da caracterização normal no quadro da interpretação do sistema internacional e do seu caos, das certezas, emerge uma única tendencial verdade, a sua incerteza.

Parece contraditório, todavia, não se assume como tal, ora precisamente esta posiciona-se no eixo da balança de poderes. Se por um lado, a eleição de Trump veio gerar contradições, manipulações das notícias, pressões políticas, por outras palavras tem vindo a provocar tão simplesmente que o mundo mudou. O maior problema consiste em aceitar que este velho mundo não tem por tradição aquilo que outrora se fazia na agenda política em que tudo permanecia em segredo, apesar de todos terem conhecimento de que para defender o interesse nacional seria porventura necessário convencer, manipular, enganar, aliar, negociar junto da outra parte. Actualmente, tudo isto, com o surgimento do ciberespaço, das novas tecnologias, das redes sociais, da facilidade da transmissão da informação, o cidadão comum passa a deter voz e ser ouvido pela multiplicação dos seus posts, comentários na rede cibernética.

Ora, Trump representa o não político desta nova Era das relações internacionais, onde dispõe da sua realidade como se tratasse de uma “diplomacia do shopping”, dos seus negócios, de uma nova forma de se fazer política abertamente, daí mudar de opinião, de provocar, de gerar incertezas em tempo imediato mundial, mas tendo por objectivo colocar os Estados Unidos no centro do mundo e em primeiro lugar.

Na sua contraparte, Vladimir Putin e a sua Rússia, não difere nos seus extremos de Trump, apenas assume outra postura, reservada, de estadista na defesa do interesse nacional russo e da sua projecção na arena internacional, concretamente das suas esferas de influência na Eurásia, que vão de Lisboa a Vladivostok, integrando o Médio Oriente, na defesa do Presidente sírio, Bashar al-Assad.

Neste contexto, ergue-se Xi Jinping considerado no quadro ideológico como o novo Mao Zedong, mas na esfera internacional um líder sem paralelo na história das relações internacionais da China. Xi Jinping pretende posicionar de igual forma como seus homólogos o Império do Meio e destronar o domínio norte-americano.

Assim, o cruzamento destes três líderes leva-nos à necessidade de esta Europa se reposicionar e evoluir, deixando para trás as suas obsessões da partidarização daquilo que não é partidarizável, por outras palavras, o ser humano, a sua identidade, o seu mundo, a sua comunidade revela-se superiores a isso tudo, ou seja, o interesse comum, a partilha de valores, o bem maior consiste no lugar comum da humanidade, o seu planeta e na aceitação da diferença do outro. Não por acaso, neste momento de crise que na Europa surgem vagas de notícias falsas, fakes news, nomeadamente pela partilha sem tréguas em canais de redes sociais, em mentiras consideradas de verdade, pelo simples facto da sua não verificabilidade ou de um acto bem mais simples, de leitura do seu conteúdo.

Efectivamente, a imprensa local analisa e combate as fakes news e a sua comunidade cultiva a leitura em bom nome da realidade do doméstico ao internacional sem entrar em extremismos, sentindo-se um bem-estar geral, dentro das dificuldades habituais de uma sociedade.

Das relações internacionais surgem notícias de que se Trump permanecer no poder, sendo um único aspecto a poder levar à sua queda, a questão da Rússia, a comprovar, constituirá a entrada para uma nova era da política internacional, tendo como contraparte duas das maiores potências mundiais, não esquecendo que figuram de entre os maiores importadores e exportadores de armamento, sendo todos eles decisivos no quadro das tensões e dos potenciais conflitos, como a Coreia do Norte, o Irão e o já devastador na Síria. Logo, este país, as suas comunidades, a sua imprensa, procuram compreender Trump, Putin e Xi Jinping sem entrar no domínio da irracionalidade de comunismos, de fascismos e de notícias falsas, onde a diferença seria condenada à fogueira sem direito ao direito, a um julgamento à moda da Idade Média e de suas fogueiras. Como referia Marvin Harris e a sua Antropologia Cultural, “a antropologia é o estudo da humanidade, dos povos antigos e modernos e dos seus estilos de vida”, tendo em consideração os aspectos dimensionais da experiência humana, justamente, as Relações Internacionais englobam todos estes aspectos.

 

Por Marco António Baptista Martins

Professor de Relações Internacionais da Universidade de Évora

Nota sobre o autor: Marco António Batista Martins é Professor da Universidade de Évora e Director do Curso de Relações Internacionais da Escola de Ciências Sociais, igualmente investigador como membro integrado no Centro de Ciência Política (centro FCT com avaliação de Excelente) e colaborador junto do Instituto do Oriente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Doutor em Relações Internacionais pelo ISCSP e Auditor em Política Externa Nacional pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.