22 Janeiro 2016      16:04

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AS CASAS COM ALMA DE ANA CARLA FAÍSCO

Chama-se Ana Carla Faísco, é arquiteta formada na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, mas assim que pôde regressou às suas origens: ao Alentejo. É a partir de alcaria da Serra, na Vidigueira, que gere com a sua mãe e sócia-gerente a Mosaicos d' Alcaria, um atelier de Mosaico hidráulico com padrões e cores fora do comum. Da Vidigueira para o mundo. Saiba mais em https://www.facebook.com/mosaicosdalcaria

 

Tribuna Alentejo – A Mosaicos d'Alcaria foi uma das finalistas do concurso BES – Realize o seu sonho, concurso promovido pela Acredita Portugal. Como surgiu esta ideia?

Ana Carla Faísco – A ideia de produzir mosaico hidráulico e criar os objetos decorativos foi estruturada tendo por base uma oportunidade identificada, que é sem dúvida o momento que se vive de revivalismo da tradição e design português e a afirmação da cultura portuguesa e mediterrânica associada a soluções estéticas atraentes, com forte presença visual.

Sou arquiteta e desde há muito apaixonada pelos mosaicos hidráulicos: cimento colorido de cores vibrantes e que de forma tão genuína decoravam o chão das casas do  Alentejo. Quando em 2012 comprei uma casa antiga para reabilitar, tive muita dificuldade em encontrar soluções em Portugal, que não exigissem deslocação à fábrica e com poucas garantias de prazos de entrega. Porque não tornar uma paixão numa forma de vida, que ainda por cima eleva a tradição e o design português? Assim nasceram no final de 2013 os Mosaicos d'Alcaria, impulsionados pelo concurso de empreendedorismo da Associação Acredita Portugal, que de entre mais de 14.000 projetos, premiou a ideia como uma das 150 semifinalistas.

Tribuna Alentejo – Como foi a experiência de ser semifinalista neste concurso? De que forma ajudou a projetar este tipo de mosaicos que produzem na Mosaicos d'Alcaria?

Ana Carla Faísco – Toda a experiência foi muito enriquecedora, sinto que aproveitei cada momento do concurso. Para mim, acabou por ser uma verdadeira plataforma de formação online, que me obrigou a pensar a sério nesta ideia que me perseguia há uns anos! Estruturar objetivos, procurar e estudar a concorrência, definir estratégias de marketing, planear e implementar estudos de mercado, desenvolver protótipos para testar a adesão ao produto… Quase sem preparação, os Mosaicos d’Alcaria foram sendo moldados, e a dada altura foi uma “obrigação” levá-los prá frente, já não havia ponto de retorno! E pensar que tudo começou com uma visita ao Festival IN, Festival da Inovação e Criatividade na FIL, onde tive o 1º contacto com o Concurso promovido pela Acredita Portugal. Andava sobretudo à procura de respostas, e acabei por descobrir um caminho que se mostrou de extrema importância no (ainda) breve percurso dos Mosaicos d’Alcaria.

 

Tribuna Alentejo – Quais as principais diferenças entre o vosso produto e os produtos industriais?

Ana Carla Faísco – O conceito da marca “Mosaicos d'Alcaria” é a valorização da qualidade e identidade da produção portuguesa artesanal, que facilmente remete para o imaginário reconfortante das casas dos pais ou avós, uma tendência revivalista que se vem consolidando e constitui atualmente um nicho de mercado que alia a tradição e a modernidade, em contraponto à globalização dos produtos industrializados para construção civil. Para além das óbvias vantagens de personalização de cores e padrões, e da sempre possível repetição sem esgotar modelos como acontece na produção industrial, as técnicas usadas são sustentáveis, pois os mosaicos são imersos em água, o que lhe dá o nome “hidráulico”, e secos naturalmente ao ar.

O  Produto são mosaicos hidráulicos de infinitos padrões e combinação de cores para revestimento de chão ou paredes, a fornecer em metros quadrados. Por outro lado, são concebidas e criadas peças decorativas e utilitárias, incorporando os mosaicos hidráulicos: tabuleiros, tábuas de queijo e pão, caixas, painéis de parede, cabides, mesas, candeeiros. E ainda mosaicos evocativos para lembranças e ofertas originais em eventos, texto e imagens personalizáveis gravados em mosaicos, que são ao mesmo tempo objetos de decoração que pode pendurar na parede ou pousar na mesa.

 

Tribuna Alentejo – Este projeto conta com duas co-fundadoras. Quem são elas e qual o seu papel nos Mosaicos d'Alcaria? De que forma se articula a vossa equipa?

Ana Carla Faísco – A sócia-gerente Francisca de Fátima Raminhos Efigénio Faísco tem 68 anos e é natural de Alcaria da Serra, na Vidigueira, professora do 1º ciclo do ensino básico entre 1968 e 2001, ano de aposentação. Ao longo destes anos a sua atividade profissional foi sempre pautada pela participação ativa em estruturas associadas a estratégias de ensino (Movimento da Escola Moderna, entre outros), colaborando nos aspetos de natureza pedagógica e de organização integrada em equipas pluridisciplinares. Fez acompanhamento das instituições de ensino especial em toda a zona Sul, através da observação e acompanhamento de crianças e jovens com deficiência ou dificuldades na Escola.

A sócia-gerente Ana Carla Efigénio Faísco tem 39 anos, é filha de Francisca Faísco e natural de Beja, arquiteta formada na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, tendo concluído o curso no ano 2000, com a prova final sobre o Centro Histórico de Serpa. Desde então tem trabalhado na administração local, em áreas relacionadas com a gestão urbanística e o ordenamento do território, nas câmaras municipais de Serpa, Beja, Vila Verde e atualmente em Odemira.

Dada a minha formação profissional, tenho assegurado a parte criativa e de divulgação dos mosaicos hidráulicos junto ao público-alvo, enquanto a minha mãe tem tido um papel muito importante na ligação dos mosaicos à aldeia e à comunidade que pretendemos envolver e criar dinâmicas, que de alguma forma contribuam para o seu desenvolvimento económico e social.

 

Tribuna Alentejo – Como é um dia “normal” no vosso atelier?

Ana Carla Faísco – O atelier ainda é um espaço em construção… acredito que nada acontece por acaso, e de uma forma espontânea criou-se a oportunidade que levou a coisas curiosas: a procura de mosaico hidráulico foi uma realidade antes mesmo de termos montada a nossa estrutura produtiva e comercial. Não havia como recuar, procuramos quem nos ajudasse na técnica tradicional e desde há cerca de um ano contamos com a ajuda de um artesão andaluz até à total implementação da nossa oficina, cujo projeto está em candidatura ao Portugal2020. A experiência tem sido ótima, e a casa dos meus avós é um sítio com uma energia incrível… os mosaicos parecem pertencer-lhe desde sempre! Para já, não poderão ainda ver a produção dos hidráulicos ao vivo, mas temos todo o gosto em abrir as nossas portas, conversar sobre eles à roda da mesa ou à sombra do limoeiro, e mostrar os que temos em stock, bem como todas as peças que produzimos no atelier a partir dos mosaicos… Temos para venda as peças e por encomenda os metros quadrados com os padrões e cores que escolher.

 

Tribuna Alentejo – Os padrões dos mosaicos tão fora do vulgar são da vossa autoria? Como é o processo criativo e posteriormente o de fabrico?

Ana Carla Faísco – Os padrões são maioritariamente os antigos, há uma enorme variedade que não parece esgotar-se! Pessoalmente, são os padrões geométricos, mais gráficos na sua essência, que me inspiram… e há modelos antigos lindos, pelo que não sentimos ainda necessidade de explorar essa frente de criação de novos padrões. A inovação e criatividade passam neste momento, nomeadamente, pela incorporação do mosaico em objetos decorativos e com técnicas de impressão, seja em coleções (O Cante Alentejano, Poemas de António Aleixo, o Rei-Poeta Al-Mu’tamid…) ou encomendas personalizadas.

É intenção dos Mosaicos d'Alcaria reabilitar uma arte que faz parte da indústria tradicional portuguesa, mais especialmente da região sul. O mosaico hidráulico é um material de revestimento de chão e paredes, muito difundido nos países mediterrânicos, tendo caído em desuso nos anos 80, com o aparecimento de materiais industrializados, mais baratos e “modernos”. Na Vidigueira, assim como em Beja e outras tantas vilas e cidades alentejanas e algarvias, existiam pelo menos 3 destas oficinas. A empresa pretende por isso recuperar esta tradição, na aldeia de Alcaria da Serra, pois acreditamos que o mosaico hidráulico é um produto que vem do passado mas é do futuro, garantia de durabilidade, identidade e decoração únicas.​

 

Tribuna Alentejo – É possível o cliente escolher um padrão a partir de uma imagem que ele vos ceda?

Ana Carla Faísco – Claro que sim, aliás essa é das maiores vantagens dos hidráulicos, a infinita liberdade na criação de padrões! Os moldes em ferro podem ser executados por medida, daí a sua extrema versatilidade. Por diversas vezes tenho ido às próprias casas, fotografar mosaicos antigos para replicar e substituir eventuais faltas, outras vezes são os próprios clientes que mandam fotografias do que pretendem, ou mesmo desenhos que criaram, únicos para as suas casas. Queremos disponibilizar muito em breve uma loja online com simulador integrado, que permitirá o upload de fotografias reais para experimentação de padrões e cores, sejam espaços a reabilitar ou imagens virtuais de edifícios a construir.

 

Tribuna Alentejo – Até agora quem foram os vossos principais clientes? Notam que predomina uma certa faixa etária? Por exemplo, que são os mais jovens que se interessam pelos mosaicos...

Ana Carla Faísco – Temos tido muitos contatos e de variadas faixas etárias… mas sim, principalmente nas feiras em que participamos, nota-se maior interesse na compra de mosaicos pelos jovens, enquanto os mais velhos se mostram algo surpreendidos por se estar a valorizar como artesanato e arte estes “velhos” mosaicos com que eles cresceram... Mas em qualquer das abordagens o afeto e o reconhecimento pelas pessoas mostram que também é um projeto social, um singelo contributo para a consolidação da nossa identidade cultural.

Os Mosaicos d'Alcaria acreditam que a construção de relações com os clientes ao longo do tempo se baseia no cumprimento de prazos de entrega, na liberdade na criação de padrões de mosaicos, criatividade no mobiliário e mosaicos evocativos, novas funcionalidades do simulador de cores e padrões, na disponibilização de rede de colocadores com formação adequada, e ainda na garantia do serviço de transporte.

De uma forma global, os clientes são arquitetos, decoradores, pessoas em geral atentas às tendências atuais, que pretendem construir, recuperar ou renovar espaços de suas casas; Câmaras municipais e Estado, no âmbito da reabilitação urbana e recuperação de património municipal; Exploradores de lojas, turismos e espaços públicos que se pretendem apelativos e de bom-gosto; Associações e demais entidades que pontualmente procuram ofertas evocativas para determinado acontecimento (mosaicos com gravações personalizadas).

 

Tribuna Alentejo – Como é gerir este negócio a partir da Vidigueira?

Ana Carla Faísco – O local escolhido para sediar o atelier foi a casa dos meus avós​ na aldeia de Alcaria da Serra, concelho de Vidigueira, onde tinham uma “venda” e  “loja”, e agora para além do atelier ​iremos criar​ alojamento para visitantes da aldeia, ou para participantes em workshops de produção que também iremos promover.​ A minha atividade profissional desenvolve-se entre a Vidigueira, Beja e Odemira, onde trabalho como arquiteta na câmara municipal, na área de gestão urbanística. Não é uma logística fácil, mas as atuais ferramentas tecnológicas permitem a flexibilidade necessária.... E é inegável que esta aventura com o projeto dos mosaicos hidráulicos tem sido muito recompensadora, proporcionando-me uma libertação artística e criativa, mas principalmente por sentir que contribuímos para o fortalecimento da identidade cultural do Alentejo.

 

Tribuna Alentejo – Há alguma história relacionada com os mosaicos que queira contar?

Ana Carla Faísco – ​O​s Mosaicos d'Alcaria têm sido convidados a expor os seus produtos, tendo recentemente organizado exposições no Museu Municipal da Vidigueira, na galeria e loja Oficina dos Sentidos em Odemira, em festivais e feiras (Feira do Montado em Portel, Mercado de Natal em Beja, Festival Islâmico em Mértola​, Festival Med de Loulé​ e Feira Rural Beja​). Em todos estes eventos surgem conversas que vão enriquecendo o vocabulário dos Mosaicos d’Alcaria… houve um senhor que com a voz emocionada me disse que as suas melhores recordações de infância foram passadas na fábrica de mosaicos do seu avô, e ficou muito feliz por vê-los a ser valorizados. Gosto sobretudo de criar emoções… Muito recentemente ofereci um mosaico com técnicas de impressão à cantora Viviane, que celebra 10 anos de carreira a solo, e com orgulho ouvi que foi das prendas mais bonitas e originais que recebeu. São momentos que nos fazem acreditar, mais ainda, na magia dos mosaicos hidráulicos.

 

Tribuna Alentejo – Que futuro deseja para a Mosaicos d' Alcaria?

Ana Carla Faísco – Continuaremos a apostar na presença em eventos de carácter nacional e mesmo internacional, além de contactos direcionados à participação nas estratégias de reabilitação urbana e, bem assim, de presença nas coleções de lojas de design e vocacionadas para artesanato diferenciado, tal como a plataforma AboutAlentejo que divulga criadores e produtores cujo trabalho considera diferenciador e representativo do que de melhor e mais inovador se faz no Alentejo. Na verdade, existe um mercado a explorar na indústria criativa de criação de mobiliário e peças decorativas e utilitárias, com aplicação de mosaicos hidráulicos, com padrões e/ou gravação de imagens e dizeres. Em Portugal existem algumas (poucas) fábricas de mosaicos mas só como material de construção. A Mosaicos d’Alcaria quer explorar todo o potencial pictórico e decorativo que têm os mosaicos hidráulicos, e o feedback das pessoas em eventos presenciais ou online tem sido ótimo. O slogan “Mosaicos d'Alcaria, Casas com Alma!” resume que este mosaico hidráulico não é um simples material de construção, oferece produtos decorativos, associa lifestyle e é um conceito de bem-estar.