3 Abril 2015      10:41

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A PAIXÃO DE CRISTO

Carregou realmente uma cruz? Alguma investigação encontrou realmente o corpo de Jesus? São só duas questões que muitas pessoas terão colocado, independentemente da sua crença.

No cinema a paixão e a morte de Cristo já foi vista em inúmeras ocasiões, por vezes, de modo substancialmente diferente.

Uma das mais marcantes foi sem dúvida a “Paixão de Cristo”, realizada em 2004, por Mel Gibson, e cuja dureza do filme lhe valeu ser considerado antissemita pela comunidade judaica.

Mas o que se terá passado realmente naqueles dias? O diário espanhol ABC, na sua edição de ontem, 2 de abril, consultou vários especialistas em Fisiologia, História e nas Sagradas escrituras e questionou-os sobre os mitos e as verdades em torno da morte e ressurreição de Jesus.

 

Há alguma evidência de que Jesus existiu mesmo?

É hábito dizer-se, em investigação da História Antiga, “testis unus, testis nullus”, que dispor de uma só evidência sobre um acontecimento é como não dispor de nada. Não é, no entanto, o caso sobre Jesus de Nazaré.

Além dos evangelhos, que são também eles um documento histórico, há notícias sobre Jesus em fontes contemporâneas, quer latinas (por tanto via romana) quer, naturalmente, judias – em ambas, com a autoridade da assinatura de historiadores antigos.

Entre as que chegam pela via latina, e além das “notícias de Suetónio”, que alude a Cristo na “Vida de Cláudio” ou em “Plínio, o jovem”, e que falava sobre Cristo na correspondência que manteve com Trajano (imperador romano nascido na província Bética, no sul da Hispânia, onde é hoje a Andaluzia e o Alentejo, sensivelmente), destaca-se a notícia do décimo-quinto livro dos “Anuários” de Tácito, certamente uma das obras com mais reputação metodológica do mundo romano. Nesse livro, Tácito - e a propósito da atribuição de culpas aos católicos no incêndio de Roma, na época de Nero - fala de Jesus como tendo sido julgado por Pilatos, condenado à morte e crucificado na época do Imperador Tibério.

Mas também o erudito grego Luciano de Samósata, no século II d.C. falava de Cristo como um personagem histórico crucificado na Palestina.

Entre a via judia, e além do Talmude (livro sagrado judaico), nas “Antiguidades judaicas” de Flávio Josefo – que escreveu por volta dos anos 90 do séc. I d.C. – transmitem a notícia do processo de Jesus, um processo que foi estudado e ajustado à luz da jurisprudência e do Direito Provincial romano.

Também Pôncio Pilatos, o procurador romano na Judeia, e que julgou Jesus, está bem documentado epigraficamente e, não há muito tempo, foi descoberta uma inscrição em “Caesarea Maritima”, a atual Cesareia palestiniana, que alude à sua intervenção na construção de um templo dedicado ao culto de Tibério, o Imperador, no teatro da referida localidade.

Também o Novo Testamento acrescenta muita informação sobre a vida quotidiana nos tempos da presença romana no território palestino e, inclusivamente, sobre a cultura material da época, o que atribui uma relevante validade histórica a todo o documento.

 

Porque é que quando Jesus morre há um terramoto e a Terra fica escura? Há alguma evidência de que isto aconteceu realmente?

A cultura antiga, e em especial a romana - mas também o povo judeu, extraordinariamente afetos e dados a presságios e aos simbolismos – era uma cultura profundamente supersticiosa e onde o simbolismo tinha grande peso. Qualquer personalidade distinguida na História era sempre precedida – acontece assim, por exemplo, nas biografias imperiais feitas por Suetónio – de uma série de augúrios e de acontecimento prodigiosos que acompanhavam quer o seu nascimento, quer a sua morte; eram os chamados “auguria” e “omina”.

No caso de Cristo, o Novo Testamento fala de tremores de terra após a sua morte e que as trevas cobriram a Terra durante horas. Efetivamente, existe uma notícia histórica, pela mão de um historiador judeu - Thallus de seu nome e que escreveu por volta do ano 52 d.C. – que, numa obra histórica que se perdeu, falava deste terramoto e das “trevas” relacionadas com um eclipse solar. Esta informação chegou até nós, indiretamente, graças ao cosmógrafo Júlio, o Africano, mas é, no entanto e apesar de indireto, considerado perfeitamente válido.

 Mais tarde, dois historiadores romanos, nos séculos II d.C. e III d.C., Tertuliano e Eusébio da Cesareia, respetivamente, reconheceram também o episódio do eclipse, situando-o cerca do ano 32 ou 33 da nossa Era, e dizem ter sido especialmente intenso no Oriente, afetando cidades como a célebre Niceia.

 

Já houve alguma investigação científica com o objetivo de encontrar o cadáver de Jesus?

Nos anos 90, foi mostrado ao mundo material recuperado num túmulo de Jerusalém, o famoso túmulo de Talpiot, e no qual foram encontrados diversos ossários de arenito; um desses ossários tinha uma inscrição hebraica que significava “Jesus, filho de José”, e que pode ser vista no Museu de Jerusalém. Deste este achado que se tem querido dar a entender que no túmulo de Talpiot teriam sido albergados os restos mortais, não só de Jesus, como de outros membros da família. Uns recorrem a estatísticas sobre as conjugações e probabilidades dos nomes estarem num mesmo local, outros até fazem alusão a Maria Madalena, e outro relacionam um símbolo por cima da porta do túmulo com um semelhante encontrado num túmulo templário que terá provindo do Templo de Salomão.

Contudo, os problemas que a onomástica desta inscrição, e outras encontradas, traz é o surgir da polémica no que concerne à relação dessas sepulturas e o episódio bíblico do “Enterro do Senhor”.    

Também as notícias, anteriores à descoberta, sobre a basílica do Santo Sepulcro, convidam a não considerar, de modo tão veemente, aquele achado de Talpiot.

 

Que distância terá percorrido Jesus até ao Calvário?

Não se pode afirmar em concreto onde estava Pilatos quando lhe levaram Jesus para que o condenassem à morte. De acordo com alguns autores, estaria alojado no Palácio de Herodes, segundo outros na Fortaleza de Antónia, de modo a vigiar, de mais perto, os arredores do Templo, que naqueles dias de Páscoa, estavam cheios de gente que chegava, de todos os lados, a Jerusalém. Em qualquer dos casos, a distância entre os dois lugares e o Calvário será de uns 500 metros.

Se se contabilizar desde o Monte das Oliveiras, onde foi preso e levado para casa de Caifás, e depois para a de Pilatos e ainda a de Herodes, e finalmente para o Calvário, o total recorrido será já de 4 quilómetros.

 

Jesus carregou só uma trave (a parte horizontal da cruz) ou a cruz completa até ao Calvário?

Não pode afirmar nada com exatidão. No entanto, e a julgar pelo modo como as crucificações eram realizadas na época, parece mais provável que tenha carregado só o travessão; chegados ao local da crucificação, eram então içados sobre um poste vertical.

 

Na Sexta-Feira Santa os cristãos relembram a morte de Cristo. As celebrações têm, em muitos locais, hora marcada para as três da tarde. Morreu Cristo realmente a essa hora? Como se pode confirmar este dado?

Segundo os Evangelhos – Mateus 27,45; Marcos 15,33; Lucas 23,44 e João 19,14 – Jesus esteve na cruz desde a sexta hora (as doze horas, o meio-dia) até à nona (as quinze), hora em que morreu.

A paixão e a morte de Cristo coincidem cronologicamente com a Semana Santa? Foi numa quinta-feira que aconteceu a última ceia?

As datas das celebrações litúrgicas coincidem com os relatos evangélicos, segundo os quais, a última ceia foi na noite anterior à morte de Jesus, como tal, na quinta-feira.

 Jesus morreu no dia seguinte? Se morreu numa sexta, às três da tarde, a sua ressurreição não podia ter acontecido até domingo, pois Jesus ressuscita ao terceiro dia. Como se explica este desfasamento?  

Jesus morreu na sexta-feira à tarde e foi levado para o sepulcro (dia 1), o seu corpo passou todo o sábado no sepulcro (2º dia) e ressuscita às primeiras horas de domingo (3º dia). Este é o modo de contar os dias correto (não se trata de dias completos no sepulcro, mas sim dos dias em que Jesus lá esteve). 

 

Os cravos atravessaram as suas mãos ou os seus pulsos?

Segundo documentos históricos, quer de escritores cristão como pagãos, e pelos achados arqueológicos de crucificados na Palestina, da época em que Jesus viveu, é razoável pensar que primeiro pregavam ambos os braços à trave horizontal.

Conhecendo-se perfeitamente o tipo e tamanho de pregos utilizados, pirâmides quadrangulares compridas, os chamados cravos, que têm uma base de retenção ampla. Os cravos eram apontados entre o rádio e ossos do carpo, ou entre as filas de ossos do carpo. O cravo podia passar perfeitamente entre esses ossos e não produzir nenhuma fratura. Mas, provavelmente, a ferida periosteal, era extremamente dolorosa (peristilo é a membrana fibrosa, junto aos ossos, e que serve para a sua nutrição e renovação.

Assim, com os braços estendidos, mas não em forma de tirante, os pulsos, e não a palma das mãos, eram cravados na trave. Já se demonstrou, com recurso a cadáveres, que os ligamentos e os ossos dos pulsos podem suportar o peso do corpo suspenso. De outro modo, se se cravassem as palmas das mãos, o peso do corpo, n aposição vertical, tê-las-ia desgarrado.

 

Quanto tempo durou a agonia de Jesus?

A morte de Jesus foi o resultado de um longo processo agónico que terá durada entre 12 a 13 horas; aproximadamente desde a meia-noite de quinta-feira (o canto do galo é uma interessante referência histórica dos evangelhos referindo-se às três da manhã). Essa agonia terá tido início no começo físico da Paixão, até pouco depois das três da tarde de sexta.

Sabe-se quais foram as causas da morte de Jesus?

O peso da evidência histórica e médica indicam que Jesus terá morrido antes de ser perfurado pela lança, apoiando a visão tradicional de que a lança terá perfurado pulmão e coração.

Possivelmente, Jesus morreu por asfixia direta, por compromisso dos músculos respiratórios e indireta e secundária, insuficiência cardíaca. Existe também a possibilidade de edema pulmonar agudo, o que poderia causar também insuficiência cardíaca. De qualquer dos modos, uma morte dolorosa e angustiante, estando Jesus consciente até ao momento da morte.

 

São verdadeiros os Sudários de Turim e de Oviedo?

A fé católica não diz nada sobre a autenticidade destas relíquias. É uma questão em aberto para a investigação científica e cada um, em posse dos dados existentes, pode pensar o que lhe pareça mais razoável.

No caso dos Sudários de Turim e de Oviedo, parece que quer os estudos históricos, quer a análise dos tecidos poderão levar a aceitá-las como verdadeiras relíquias.

 

 Tradução, pesquisa e adaptação de Tribuna Alentejo

Fonte original ABC, com informação de Santiago Santidrán Alegre, Professor Catedrático de Fisiologia; Francisco Varo, Professor de Sagradas Escrituras, e Javier Andreu, Professor Titular de Historia Antiga y Arqueologia de la Universidade de Navarra.