8 Agosto 2015      10:20

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O MEU CÃO

O meu primeiro cão chamava-se Piriquito e a memória mais remota que tenho dele remonta à altura em que eu teria 3 ou 4 anos. A presença de um animal de estimação para uma criança, especialmente um cão, sempre marca e torna a vida muito mais interessante. Recordo-me bem da nossa amizade profunda, da nossa cumplicidade. Era um cão baixo. Nenhuma raça em especial, mas muita personalidade. Guardo ainda fotos dele que nos tiraram. A nossa amizade manteve-se enquanto foi possível pois, aquando do meu nascimento, o Piriquito já era velho e a duração das nossas vidas é diferente. Jamais esqueci os momentos até hoje. Os seus olhares de aprovação, de inclinar ligeiramente a cabeça quando me queria dizer alguma coisa ou pedir comida, essencialmente por telepatia pois não nos seria fácil utilizar o mesmo código de linguagem. Era o meu cão, o meu melhor amigo. Às vezes fazíamos corridas monte acima, no meio do Caldeirão, em que, obviamente, ele ganhava sempre. Correr com quatro patas é, aparentemente, mais vantajoso do que com duas. Acho que as galinhas têm a mesma opinião que eu.

Não falo apenas de um, refiro-me aos muitos cães que já fizeram parte da minha vida e que marcaram, de uma forma ou de outra os anos da infância, adolescência, juventude e idade adulta. Não foram muitos os que tivemos como cães de companhia em casa. Todos eles sempre estiveram presentes em nossa casa durante muitos anos. Ensinaram-me a ser paciente, a olhar o mundo de outra forma e a crescer com respeito pelos animais e pela sua lealdade, dedicação e forma de estar. A sua presença sempre a senti como uma presença protetora, leal e desinteressada. À parte dos pedidos, justos, de refeições, não houve cobrança de atenção que não pudesse ser atendida. Outra coisa que sempre e, talvez a maior de todas, foi a dignidade com que o meu cão, ou os meus cães passaram pela minha vida. Não vi nenhum deles morrer… na proximidade da sua morte e sabendo que lhes restava pouco tempo, todos eles se afastaram e morreram, perto do monte, mas num sítio sossegado e isolado sem os olhares de pena daqueles que sempre os acompanharam. Isto, de facto, sempre me intrigou e impressionou ao longo do tempo em que aconteceu.

Outro dos meus cães chamava-se Patinhas. O Patinhas chegou até nos já adulto, trazido da casa de uns primos que não o podiam ter como cão de estimação. Se a sua integração no nosso seio familiar pudesse suscitar dúvidas, depressa se dissiparam. O Patinhas muito rapidamente se adaptou e tornou o centro de todas as atenções, pais, filhos e netos. Até as visitas ou clientes do pequeno café dos meus pais conheciam o Patinhas pelo nome. Lembro-me bem que o Patinhas nunca ladrou mas falava comigo como se dois amigos de longa data, ambos falantes de linguagem humana e ambos falantes de português, diria…talvez com diferentes sotaques, falassem sobre os mais profundos temas, desde às teorias de Kant sobre a filosofia pura até ao sabor do osso que ele tinha acabado de roer e esconder na terra para mais tarde voltar a roer. O Patinhas impressionava-me pela sua resiliência. Baixo, de aspeto vulnerável, pelo de arame, era o mais leal dos amigos e o mais teatral dos cães que até hoje conheci. Impressionava-me, como todos os outros, pela forma como esperavam, sentados, a chegada do carro cujo som reconheciam ainda a quilómetros de distância.

O Patinhas já era adulto quando nos conhecemos e o nosso tempo de vida é diferente. Ao sentir-se doente, afastou-se e morreu longe de nós. Foi sempre um grande amigo, uma excelente companhia. Os nossos diálogos em palavras sempre foram monólogos da minha parte e um abanar de cauda em concordância com o movimento atento das orelhas… mas partilhámos tantas palavras. É verdade que nunca entendemos, no sentido estrito da palavra, o que o outro dizia. Ambos compreendemos, e isso aprendi com eles, que o melhor amigo do homem pode estar longe muitos meses, anos até mas quando regressa a casa, esse companheiro e amigo fiel reconhece-nos a metros de distância e recebe-nos como se do filho pródigo nos tratássemos.

Atualmente, ainda que longe durante longas temporadas, quando chego, a Jóiinha recebe-me como se nunca tivesse partido ou estado ausente… embora, pela foto que aqui se junta, não acho que me dê muito crédito.