27 Setembro 2015      11:15

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NO REMANSO DAS PALAVRAS INQUIETAS

“E sabem a mosto, a sol… a vida
a insónia, a boémia… a poetas
estes versos feitos à medida,
no remanso das palavras inquietas”

Desta vez, trago-vos o livro “No Remanso das Palavras Inquietas” de Luís Filipe Marcão, poeta reguenguense, amante das nossas terras, do nosso vinho e da nossa calma, cujo verbo intenso, determinado e masculino nos leva, a modo de arte poética, a percorrer os trilhos da sua escrita.

Antes de mais, convém esclarecer que estas linhas não pretendem ser mais do que aquilo que efetivamente são: um pequeno e modesto tributo a este autor que respeito e admiro.

Na obra “No Remanso das Palavras Inquietas”1, Luís Filipe Marcão entrega-nos um pouco de sua alma através do espelho constituído pelos versos que cria. Com efeito, o título revela imediatamente o dilema em que evolui o sujeito poético, através dos elementos da antítese “remanso” e “inquietas”. De igual forma, vão aflorando ao sabor dos poemas os termos que confirmam essa dicotomia: “desassossego” e “inquietação”.

Com frequência, ao longo da obra, assistimos ao momento da criação literária, em que o sujeito poético se encontra submerso na solidão e oscila entre dois estados: a aparente tranquilidade exterior e o frenesim interior que o leva a “tecer versos” e “a puxar a manta retalhada de versos para (…) aquecer a alma”, que é como quem diria prosaicamente, agasalhar-se na escrita. De resto, a razão de ser destes versos é frequentemente despertada pela natureza que, por sua vez, contagia e imprime cor ao texto.

“O outono chegou com dedos de vento

a derrubar folhas amarelas

e eu amareleci

no tempo e no poema!”

Quem lê a obra entende que escrever é um dever, uma urgência, mas acaba por ser um percurso sem rumo, ao sabor das palavras sonhadas, que o sujeito poético calcorreia dentro de si; um percurso redondo e interior de busca de si mesmo e o ofício do poeta

“mais não é que este sopro

inocente, azul, derramado

num ritual de sílabas

que convergem sem foz

na busca latente do poema”.

Assim, existe, por um lado, ancorada no poeta, a paciência na busca do verso perfeito, livre, espontâneo e imprevisível, mas, por outro lado, é patente certa resignação perante o caráter vaporoso da nossa curta existência em que só existimos porque o outro existe, “presos na memória dos que nos amam”, e perante um mundo em contínua mudança em que o velho já foi novo e em que Abril também já passou à história.

“Vai e deixa a tua sede

Saciar outros lábios sem Abril”

Ademais, este livro constitui uma bela homenagem ao Alentejo, particularmente ao seu cante que “sabe a sol e a terra”, à sua gente e à sua poesia e o sujeito poético, cuja pena fervilha como “um farol de palavras acesas”, passando de um registo mais erudito para outro claramente “alentejano” (privilégio das nossas gentes), procura apreender o mundo, proclamando a consciência de si, desejando guiar os incautos e ver nascer “o sonho, o verso, o tema (…) no verso inóspito… no dorso livre do poema”.

 




1 Marcão, Luís Filipe, No Remanso das Palavras Inquietas, Col. Subterrâneos/Espontâneos, Europress, 2015.