em me quer, mal me quer. Bem me quer, mal me quer. E assim passava intemporais momentos nas solarengas tardes primaveris de adolescência, aspirando um dia ser pastor, desfolhando margaridas campestres e lançando-me à sorte de paixonetas de miúdo. Era tão bom!! Aquele sentimento, aquele ardor no peito de carregar a paixão, de sentir-me bem com a vida, de amar e notar fidedignamente o sentido pelo qual Deus nos colocou aqui. É um passado inolvidável!
Era também a época da minha afirmação como jovem adulto, de me apaixonar pela Condição Humana de André Malraux e pelos clássicos de Sommerset Maugham. Era o tempo do idealismo, da intrepidez, das convicções firmes resultantes da filiação parental e de amizades bem construídas.
Era simultaneamente o tempo da inocência, da utopia e pretensão de mudar o Mundo, de o transformar num lugar mais justo, mais livre e mais seguro. Era o quase único momento de acreditar na genuinidade e bondade do Homem.
Bem me quer, mal me quer! Bem me quer, mal me quer…
Estes são tempos memoráveis ainda que para a esmagadora maioria das pessoas, muito efémeros. São também tempos de muita irreverência e excesso de otimismo, face às contingências do dia-a-dia.
«Não fico sozinho, se ficar com a verdade».
Padre Vasco Pinto Magalhães in “Não há soluções, há caminhos”.
Pois é Luaty, e assim chego até ti.
Uma figura eternamente jovem, infinitamente idealista, um acérrimo lutador das suas bandeiras, um indefetível de causas meritórias e de um Mundo mais equitativo e transparente.
Bem sei que a realidade se encharca de aparência, do subjetivo, da mentira e do pessimismo, mas apesar dessa circunstância e essa ordem de coisas mundanas, tu não resignas, permaneces irredutível perante a tormenta que se aproxima, que te rodeia, que te pode fazer tombar.
Neste século XXI, há muita desigualdade, muita injustiça, muita fome, mas grassa sobretudo uma clamorosa ausência de valores, de bravura de espírito, da verticalidade de carácter, da ousadia de combater o poder instalado, quando nefasto e corrupto e dissimulado. Tu tens essa virtude tão escassa, tens o dom da perseverança nos valores da Humanidade, pela coragem de enfrentar incondicionalmente o que abraças defender e de te instalares perante toda e qualquer adversidade.
Conheço-te à distância, apenas pela TV e pela imprensa, de cerca de mês e meio de notícias alusivas à tua detenção e consequente greve de fome. Qualquer cidadão mais informado saberá reconhecer que apesar dos enormes progressos que Angola tem vivido nas últimas décadas, é ainda assim um Estado cleptocrata, corrupto e onde muitos dos Direitos Humanos são quotidianamente atropelados, como foi inclusive a tua arbitrária detenção.
Luaty, acabas por ser a voz de muitos que sentem e vivem a injustiça em Angola de forma cruel e silenciosa. Ousaste ampliar essa voz que propala a revolta e a indignação num país onde não há ainda democracia plena, nem o direito à diferença e à indignação. És alguém que preza e advoga a verdade como forma de estar, que a abraçou como o seu dote para uma vida. És alguém que vive e dorme tranquilamente sobre o leve pesar da tua consciência. E evocando a hispano-equatoriana Concha Buíka, na sua mais recente música «Carry your own weight», numa tradução meio simplista e brejeira, «podes correr se quiseres, desaparecer num avião, mas não te podes esconder de ti mesmo, tens que carregar as tuas responsabilidades». Este pequeno trecho de música serve na perfeição para ilustrar oposto do que tens sido, ou melhor, exemplifica a posição do governo de Angola, do peso da injustiça e dos respetivos remorsos que perdurarão até inverterem a sua posição atual.
A tua mensagem passou. Mas com firmeza nas ações, ficaste conhecido e reconhecido pela coragem imposta, algo tão raro, meu Deus. Fica ciente que, bem longe de Angola, num cantinho de Portugal, numa vila perdida no Alentejo, escrevo-te para te dizer que sou teu incondicional fã e seguidor. Aleluia!! Há afinal coragem, há quem enfrente as adversidades por mais temerosas que sejam. A tua forma limpa, objetiva e presente com que enfrentas os desafios, a tua ousadia e convicção, sensibilizaram-me ainda mais para a questão dos Direitos Humanos em Angola.
Acredita, a semente está lançada. Doravante nascerão novos ativistas germinados da tua fé, da tua determinação e impetuosidade. Mas vive, vive por favor. A tua mensagem só tem sentido, só passará fielmente se viveres e te tornares num exemplo vivo da insatisfação e inconformismo perante a realidade que censuras. Deixa este teu extraordinário Exemplo afirmar-se-á por mais tempo!! Deixa quem te é mais próximo, que os teus filhos, que a tua mulher, cresçam, vivam contigo, consolidem ainda mais esse orgulho no que te tornaste, num admirável lutador. Deixa-os beneficiarem da tua companhia, do teu virtuosismo, dos teus ensinamentos. Felizmente abandonaste a greve de fome. Deus não nos quer mártires, nem sofredores.
O teu papel foi exemplarmente executado, és uma força da Natureza, um raro caso de personalidade e carácter, um paradigma da convicção e da verdade, e isso é mais forte e arrasador que qualquer injustiça ou prisão de que possas padecer.
De Portugal recebe a minha vénia pelo que afrontaste e por teres desfolhado não os meus sentimentos mais pueris de adolescente, mas uma margarida onde o Bem me quer é a Verdade e o Exemplo que assumiste na tua vida e perante os que te rodeiam.
Congratulo-me por ainda que tenhas causas muito mais solidárias e relevantes que as minhas, a juventude e a inocência de acreditares num Mundo melhor, permanecem intocáveis perante as agruras da vida adulta. Realmente muitas vezes a verdade é insossa, triste, desmobilizadora de vontades, pois como dizia Giovanni Papini - «os homens defendem-se como podem...defendem a sua pequena vida, apenas suportável à força de compromissos, de embustes, de ficções, etc. Não querem sofrer, não querem ser heróis.»
Nestas novas margaridas onde o Mal me Quer é a Injustiça e o Bem me Quer a Verdade, Luaty Beirão, desfolharás quantas forem necessárias para que vingue a Verdade.
Obrigado Luaty!!
Fotografia de Manuela Viola, daqui