3 Outubro 2015      11:14

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INSÓNIAS

O despertador tocou eram sete horas da manhã. Os olhos dele pareciam duas bolas inchadas que teimavam em denunciar que tinha tido uma péssima noite de sono ou ausência dele. As suas noites eram mais claras na escuridão do quarto. Ouvia cada barulho a cada segundo. Deve ter-se deitado pouco depois das dez horas da noite. O seu corpo acentuava o cansaço do dia e não se aguentava por mais tempo. Parecia desfalecer e desmantelar-se na sua fragilidade. Tomou um banho de água quente para relaxar os músculos, bebeu um trago de água e deitou-se na cama. Debaixo dos lençóis brancos de algodão as noites pareciam mais calmas. No quarto, também ele pintado de uma cor branca, onde se notavam as fissuras do tempo, a cama ocupava meio espaço. O restante era ocupado pelo armário sóbrio e descaracterizado em madeira castanha escura. Mais duas pequenas mesas ladeavam a cama e tornavam o ambiente menos distante de si e mais familiar. Ainda assim, estava sozinho numa cela que ele próprio construíra.

Deitou-se na cama, moderou o ar condicionado e imaginou-se, como se costuma dizer, a caminhar num vale de lençóis. Pensou que seria uma noite única até de manhã, às sete, sem sobressaltos, sem acordar com os sons exteriores. Sorriu, contente, por estar cansado e por se sentir sem forças. Era dessa forma que o corpo recuperaria bem melhor durante a noite e, às sete da manhã, estaria pronto a enfrentar um duche frio e avançar para um dia de trabalho. Aconchegado debaixo dos lençóis e num colchão macio, já moldado ao seu corpo, pôs a cabeça na almofada e fechou os olhos. Ah, como seria tão bom passar esta noite num sono profundo, começando-o agora… já! Ontem dormiu pouco e acordou de mau humor, dizendo a si próprio que hoje isso não se repetiria.

Fechou os olhos. A almofada acariciava-lhe o rosto e a barba, parecendo que lhe dava pequenos beijos de boa noite. Ia dormir o sono dos justos. Passaram-se cinco minutos em que não tem recordação do que aconteceu. Deve ter adormecido num sono leve e embalador que se quebrou com uma árvore a agitar-se lá fora. Acordou, bruscamente, com o coração meio a palpitar e com uma sensação de queda. Sentiu-se a cair da cama, num precipício do qual não se via o fundo. Perdeu todo o sono que tinha e abriu os olhos. Estava tudo escuro à sua volta, mas os ruídos multiplicavam-se. Deve ter sentido medo do turbilhão de tantas outras emoções, todas elas angustiantes e potenciais provocadoras de insónias.

Havia algo que o incomodava naquela noite. Não sabia exatamente o que era, nem nunca saberia, talvez por não ser uma única coisa mas um rol alargado de pequenos problemas que, juntos, teriam um efeito de avalanche que nem os lençóis conseguiriam deter. Tentou virar-se para o outro lado da cama para, enfim, poder voltar a adormecer e caminhar pelo reino de Morfeu. Fechou novamente os olhos e tentou abstrair-se de todos os pensamentos, mas todos continuavam a regressar…no meio do pulsar do coração que, agarrado à cama, ecoava no ouvido. Por muito que a sua vontade comandasse os seus pensamentos, eles não iam obedecer-lhe. Tentou, então, mudar de técnica e arranjar uma abordagem diferente. E pensou em coisas diferentes e coisas que o fariam feliz. Imaginou desfechos e histórias delirantes para suplantar aquilo que o atormentava e não sabia o que era. Sabia agora que tinha uma batalha de uma noite contra aquilo que se convencionou chamar de insónia. Proveniente do latim insomnia, significa falta de sono. Tudo aquilo que sente. Haveria, de certeza, uma técnica para adormecer. Seria imaginar uma história, o caminho a seguir. Bem, imaginando uma história seria ele o protagonista ou alcançaria um grande feito. Sonhar não custa e aplicar-se-ia aqui a expressão “sonhar acordado” pois, de maneira nenhuma, conseguia que os olhos se fechassem, acionassem a melatonina e fosse transportado para o estado REM. Não. Não dormirás! - dizia uma pequena voz nos seus circuitos internos. Todos os barulhos se faziam ouvir e todos os movimentos acentuavam o cansaço. Parecia, agora, que o sangue não lhe circulava nas pernas.

Por esta altura, seriam duas da manhã e, parecia que tinha estado acordado durante as quatro horas em que se debatia com o sono, com a sua vontade, contra a sua resistência. Faltavam ainda cinco horas. Sabe que vai dormir. Mas, será que nestas horas, apesar da sensação não verificada, teria dormido? Pensou se teria bebido algum chá ou se o café que bebera muitas horas antes continuaria a mantê-lo acordado. Poderia ser isso. Já o fora muitas vezes antes. Mas hoje não era isso, era uma insónia desenvolvida em redor de um problema ou de pequenos e insignificantes problemas que, juntos, o faziam igual a tantas outras pessoas pelo mundo fora.

Diziam-lhe, quando era pequeno, que quem tem cuidados não dorme. Hoje não dormia e não conseguia encontrar uma razão específica para não dormir. Pôs-se no lugar de tantos outros que visualizou em diferentes sítios do mundo e que passariam, nesta altura, pelo mesmo tormento que ele e sentiu que não estava sozinho e que todos os que não dormiam formavam, junto consigo, uma falange de criaturas que, não sendo da noite, estavam nela retidas. Envolto nesta ideia, deve ter adormecido pois o som do despertador interrompeu, subitamente, a batalha que pensou estar a travar durante horas infinitas. Acordou com o mesmo peso no corpo com que se deitara e, olhando-se ao espelho, viu as mazelas da sua luta, testemunhada num olhar vago em que os seus olhos, raiados de vermelho, pareciam duas bolas inchadas. Sabia que insónia tinha origem no latim, denunciando a sua antiguidade e conhecia já toda a abrangência do seu significado. Talvez hoje consiga finalmente dormir, pensou. 

 

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