4 Abril 2015      22:30

Está aqui

Emigração: de que é feita a mala que outrora era de cartão

A emigração é uma história banal contada em língua portuguesa. Começa, quase sempre, por ser contada na terceira pessoa do singular, ainda antes de ser narrada na primeira pessoa. Primeiro contempla-se o exemplo dos nossos pares que, destemidos, partem à procura de um futuro melhor e mais prometedor. Vamos, assim, alimentando o fogo com a lenha da frustração. E esperamos frustrados! Esperamos frustrados!

Um dia tudo muda. É quase sempre a reviravolta da esperança que dita um novo rumo, pejado de novas aventuras, incógnitas e muita predisposição para sofrer. Sofrer antes de vencer! Afinal de contas eles, que já lá estão, conseguiram sobreviver, fundar uma família, aceder à propriedade e ainda conseguem vir de férias. Os nossos compatriotas que emigraram, levavam na mala de cartão um punhado de quase nada. Passavam a fronteira do país a pé e, à chegada, amontoavam-se como podiam no país de destino entoando uma só frase: ”preciso de trabalhar”. Diziam saber vender o que nunca tinham vendido, saber fazer o que nunca tinham feito. Esta nossa gente, reconhecidos unanimemente como o povo do desenrasca, ajudou a reconstruir a europa. Foram também eles que prepararam o terreno para a nova vaga: a que viria a conhecer o mesmo rumo à entrada do novo século.

Somente entre as duas vagas tudo mudou. Entretanto, deu-se à revolução dos cravos e a adesão de Portugal à CEE que ditaram mudanças estruturais na economia portuguesa e, mutatis mutandis, na face da emigração portuguesa. Portugal aderira a um clube de ricos e, como tal, a emigração assumia contornos diferentes. Então o que mudou? A mala de cartão e o punhado de nada, que outrora era utilizada para sair do país, começou a ficar em Portugal. É, agora, utilizada para navegar entre a casa dos pais, dos irmãos, da tia ou da prima que vão fazendo o esforço para pôr mais um prato na mesa. É utilizada nas digressões pelo país, nas idas à capital na esperança de encontrar o tão ambicionado emprego. E a história repete-se…

A frustração dá lugar à esperança. Os novos emigrantes são mais jovens, melhor formados e são menos permeáveis à ideia de regressar ao país. Muitos deles contam também com a ajuda dos pais, o que lhes permite alvitrar a possibilidade da emigração em melhores condições. A viagem para o desconhecido faz-se de avião e, não raras vezes, partem com contractos de promessa de trabalho assinados e alojamento garantido. É, assim, que paulatinamente, Portugal vai conquistando um lugar ao sol entre os países que mais profissionais qualificados forma para exportar. Por seu turno, a política do governo de incremento da competitividade pela via dos menores custos de produção tem como efeito pernicioso exportar mão-de-obra qualificada, mas não somente. De facto, com tanta poupança, só podemos concluir que os que foram nunca irão voltar.   

Imagem: http://www.portugalvistodefora.com