24 Setembro 2015      09:06

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ELEIÇÕES

Vamos ter eleições. Para o leitor importa reter isto.

Vamos ter eleições. É importante. Não porque marque o tempo. Não por isso. “Vamos ter eleições” não marca bem o tempo. De facto, marca-o, apenas, para “estarmos para lá de certa data”.

Isto se o leitor for de qualquer parte do mundo pensando em quase qualquer parte do mundo.

É certo que há partes do mundo onde nunca terão havido eleições. Portanto, dizer-se que vamos ter eleições é pouco importante, em termos cronológicos. Já dizer que vamos ter eleições em Portugal é completamente diferente… ainda que não muito completamente diferente.

Consta que a primeira vez que em Portugal houve eleições foi há muito, muito tempo. Com certeza que, eleger, não precisa de muito mais do que de dois seres humanos. Basta isso para eleger alguém para alguma função. Mas, sejamos rigorosos, isso, em Portugal, só pode ter sido feito desde há uns quase oitocentos anos para cá. Antes, não existia Portugal… Mas, sendo ainda mais rigorosos, a primeira vez que houve eleições, para que todos os adultos imputáveis (isto é, não-inimputáveis) pudessem votar, foi há cerca de quarenta anos (pouco mais ou menos, querendo ser rigorosos) … e, agora, vamos ter eleições… Mas, o que são eleições?

Juridicamente são algo muito rigorosamente definido, de maneira muito acessível à compreensão pormenorizada por parte de qualquer um que… tenha escrito as ditas regras… e, mesmo assim, talvez. O que cada um entende delas é assunto bem mais fácil, ainda que, eventualmente, menos rigoroso. É bom de ver que há um ganho profundamente filosófico em ver as coisas de outra perspectiva. E, cada um tem a sua.

O autor destas linhas vê as eleições como um concurso público. Muito objectivamente parecem ser isso mesmo. Um concurso público para admissão de funcionários públicos por tempo determinado. Quem conseguir cumprir as condições necessárias a ser escolhido por quem de direito (um partido, ou afim, e não sei quantas assinaturas para o uninominal cargo de presidente da república) pode ser levado a esse concurso (público para admissão de funcionários públicos por tempo determinado).

Nem todas as eleições dão emprego. Mas as efetivamente atraentes dão. E, como em todos os concursos públicos deste tipo, há um júri, com um número de jurados. Nas eleições nacionais o número de jurados é enorme…! Portanto, o chamado cabeça de lista (concentremo-nos, agora, apenas com o fim de sermos rigorosos, nas legislativas que aí vêm) deve obter o maior número de votos possível (já se sabe que se vota num partido, ou afim, e não no homem…).

Cada jurado vale um voto, o que parece bem, e há umas áreas quilométricas donde saem os votos que elegem os ditos candidatos, incluindo o líder que, veja-se bem, poderá vir a ser primeiro-ministro. É uma festa!

As eleições têm muitas provas, escritas e orais, antes que os jurados escolham um candidato, e são, sempre (quase) uma imensa festa. A maior festa é feita pelo candidato a Primeiro-Ministro. Não há que estranhar pois, caso ganhe as eleições, poderá alcançar um rendimento líquido mensal, proveniente deste trabalho, que multiplica por muito o rendimento médio dos jurados. Portanto, a festa é de arromba!

Um precisa de todos. Todos dão um bocadinho do que é seu e esse um enche-se de tudo quanto é bom porque, rigorosamente, ele é efetivamente muito importante. Quem é muito importante na sociedade recebe muito dinheiro… A festa faz-se por todo o lado. A palavra chave é mentir.

Convém definir mentir. Mentir, no presente contexto (e supõem-se que noutros também) é declarar o que se sabe não ser verdade. Não se trata de errar. Trata-se de mentir. E é assim. Este jogo obriga a mentir. Muitos outros jogos obrigam a mentir. Não será mentir, assim sendo, algo tão fora do jogo quanto isso. Ou, rigorosamente, talvez nem sempre seja essa a palavra chave. Por vezes o candidato nem mente. Ou melhor, mente, quando diz saber de certo assunto, mas, depois, nem mente, porque opina sobre o que não conhece. Ou, talvez mais rigoroso ainda, nem aí mente, porque está mesmo convencido que conhece. Não mente. Erra constantemente. Isso. Rigorosamente isso. E, de “isso” em “isso”, se faz o período de demonstração, aos jurados, do mérito do candidato.

Um momento chave é o chamado frente-a-frente. Nem sempre é exactamente frente-a-frente. Havendo pelo meio um ajudante do diálogo, pode ser um lado-a-lado. Portanto, rigorosamente, algo entre frente-a-frente e lado-a-lado. É um momento e pêras, especialmente se for transmitido pela televisão, e visto num televisor. Os candidatos enfrentam-se. Digladiam-se. Fazem tudo para que o maior número de jurados vote neles. Disso depende o seu futuro emprego.

Neste momento o autor destas linhas, que já foi candidato e falou em comícios (infelizmente sem a oportunidade de emprego, caso ganhasse… que não ganhou) pretende uma pausa. Uma pausa rigorosa. Isto porque, se um dia ele for eleito, muito se poderá pensar do que agora aqui fica escrito… mas… para a frente… Portanto, num quase-frente-a-frente, televisivo, os candidatos, mentindo ou errando, querem que os jurados votem neles a fim de terem um supimpástico emprego, daqueles que dá para pensar que os seus descendentes, dentro de cem gerações, ainda quererão usar o seu apelido e dar de herança aos seus filhos coisas compradas pelo seu n-avô. Isto é importante. Isto revela solidariedade transgeracional. E o que fazem eles num quase-frente-a-frente?

Vendem a sua imagem. Nada contra! Mas vendem-na de maneira especialmente interessante. É que, nem eles podem saber, rigorosamente, se aquilo que dizem é verdade (simplesmente porque se trata de demasiada informação), nem, muito menos, os jurados podem saber se aquilo que os candidatos dizem é verdade (simplesmente porque é demasiada informação). Mas, o que é verdade, é que o jogo funciona e não se conhece outro que funcione melhor. Chama-se, democracia.

Não podendo agora abrir-se novo discurso, sobre a democracia, que o texto vai longo, se leu até aqui não se esqueça. Por favor, vote.

Escolha o melhor ou o menos mau, mas vote!

Não deixe que uns quantos funcionários públicos acedam a empregos públicos extraordinariamente remunerados, sem que possa sobre isso escolher o partido, ou afim, donde prefere que eles saiam, nestas, especialmente ligadas à repousante cidade de Évora, legislativas de 2015.

Porque, verdade bem verdadeira, disse-a um personagem importantíssimo de todos os tempos, e, por maioria de razão, dos tempos presentes: “Só sei que nada sei.” (Sócrates)