12 Setembro 2015      13:13

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CHAPÉUS HÁ MUITOS…

Venho hoje falar-vos de uma prodigiosa descoberta que fiz há um mês, mais coisa menos coisa, dando assim o mote para um dos meus usuais devaneios.

Estava eu sozinha com muito pouco ou nada para fazer quando resolvi dar uma volta virtual pelos canais de filmes e séries que tenho em casa. Assim, peguei no comando e o meu polegar deteve-se do seu frenesim quando apareceu no ecrã o filme “Jaws” (Tubarão), um dos clássicos e, somente por acaso, um dos meus prediletos. Entusiasmei-me, claro, e graças à maravilha que constituem as novas tecnologias digitais, simplesmente, voltei para trás até ao princípio do filme.

Vi-o todo, desta vez por estar sozinha, sem lhe perder uma única migalha que fosse e eis que, de repente, ouço o Brody (Roy Scheider) proferir a ilustre frase “That’s some bad hat, Harry”.

Contextualizando: o Chefe da polícia, Brody, deveras irritado por o Presidente da Câmara não querer fechar a praia, apesar de a população ter sido alvo de vários ataques de tubarão, e por ver-se obrigado a frequentá-la com a família para não causar mais alarmes, é confrontado por um dos anciãos de Amity Island. Na verdade, o idoso demonstra saber o motivo pelo qual Brody nunca vai à água: ia morrendo afogado quando era criança. Brody, já aborrecido com toda a situação e vendo chegar à sua beira esse velhote destemido e coscuvilheiro, com uma touca de natação enfiada na cabeça e uns peitos que já desistiram há muito de lutar contra a gravidade, só lhe consegue responder, pondo um ponto final à conversa “that’s some bad hat, Harry!”

E aí, fez-se luz! Sabia que já tinha ouvido essa frase no final de uma série cuja produtora era a “Bad Hat Harry Productions”. Parei imediatamente o filme e fiz uma pesquisa na internet. A frase foi retomada pela produtora da série “House” e, no final de cada episódio, vemos um pequeno spot que consta de um curtíssimo filme de animação em que dois homens, exatamente como no filme, estão à beira-mar; o mais novo de costas para uma dessas barracas de praia coloridas e o mais velho de costas para o mar. Há porém uma diferença: vemos passar ao longe, rápida e furtivamente, uma barbatana de tubarão, constituindo a derradeira pista que permita aferir uma analogia entre o spot e o filme que o inspirou.

A isto chama-se intertextualidade já que um texto (oral ou escrito) que se refere a um anterior chama-se intertexto, aplicando-se este conceito a várias artes.

Assim, a intertextualidade autoriza o estabelecimento de um diálogo entre diferentes obras e até entre diferentes artes, permitindo assim pelo menos duas coisas: enriquecer consideravelmente uma obra literária, cinematográfica ou outra, conferindo-lhe certa densidade e, colateralmente, permite, para seu deleite, que o leitor/espetador ao entender essas referências veja crescer a sua autoestima, chegando até, por breves instantes a considerar-se um génio do intertexto.

Naturalmente, uma coisa leva à outra e não é que o espírito do leitor/espetador acaba por ficar mais atento às ocorrências intertextuais que possam surgir? É um pouco como enfiar uma carapuça textual e como diria o Vasco: chapéus há muitos...