3 Abril 2015      13:35

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106 ANOS

106 ANOS DE VIDA E DE TEMPO

Morreu ontem, aos 106 anos, o realizador português Manoel de Oliveira. Nascido a 11 de dezembro de 1908, realizou até aos 105 anos. Quem decidir realizar o filme da sua biografia deparar-se-á com a difícil tarefa de saber onde começar, o que incluir e onde parar, para conseguir retratar a singularidade de uma personalidade incontornável da História do cinema Português e Mundial.

A vida de Manoel de Oliveira pode ser enquadrada com a cronologia das suas obras, mas não se resume a isso. Assim como cada um dos seus filmes, pragmáticos e de autor, não se findam no pulsar da audiência, também as suas paixões e ambições não se limitaram ao estrelato das plateias ou das telas. 

O realizador de Aniki-Bóbó, também refletia sobre o meio e as suas intransigências, bem como as dificuldades suas e dos seus colegas, afirmando em 2010 no Público que “eles, como eu, sempre viveram na precariedade e na insegurança, sem reforma nem subsídio de desemprego, e sem nunca sabermos se não estaremos a fazer o nosso último filme”, rematando que “eles, como eu, só temos um desejo: todos ambicionamos morrer a fazer filmes”.

Quando ainda o cinema era um misto de Estética, Teoria e Linguagem, onde a indústria ainda dava os primeiros passos no sentido da uniformização dos métodos e dos géneros, que viriam a aglutinar os públicos em 1928, Manoel de Oliveira matricula-se a Escola de Actores de Cinema fundada no Porto pelo realizador italiano Rino Lupo, e faz uma pequena figuração no filme Fátima Milagrosa. Quando em 1931 exibiu a sua primeira curta, Douro, Faina Fluvial, montada à pressa na sua própria, no programa do V Congresso Internacional da Crítica, em Lisboa, foi aplaudido pelos críticos estrangeiros, como o francês Émile Vuillermoz e o dramaturgo italiano Luigi Pirandello, mas pateado pela crítica nacional.

Passadas mais de oito décadas, embora o seu nome seja sobejamente conhecido, poucos serão os que realmente tiveram oportunidade de conhecer e ver toda a sua Filmografia, que contempla mais de 60 obras, que perpassaram regimes e tendências, onde se podem encontrar obras como: Os Gigantes do Douro (1934); Angélica (1952); O Pintor e a Cidade (1956); O Acto da Primavera (1963) – que lhe valeu uma detenção pela PIDE; Benilde ou a Virgem-Mãe (1975), filmando a obra de José Régio a que haveria de voltar mais tarde com O Meu Caso (1986) e O Quinto Império – Ontem como Hoje (2004); Amor de Perdição (1978); ou Non, ou a Vã Glória de Mandar (1990).

Foi o primeiro realizador português a filmar a cores, foi premiado em festivais internacionais, rejeitado por uns e aclamado por outros, foi ímpar e foi isso que lhe permitiu consagrar-se como um autor. Ao fim de mais de 100 anos, “um capricho da Natureza”, após milhões de segundos em tela, partiu deixando-nos a arte e o estilo “Oliveira”, deixo-nos a vida e o tempo que procurou retratar em 24 imagens por segundo, procurando absorver em si aquilo que seria um pedaço da Humanidade, numa repetição contínua.

 

Foto de PUBLICO/REUTERS