18 Abril 2017      09:45

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UM HOMEM NÃO FAZ UM IMPÉRIO

Quem não se lembra de ouvir a retórica de Donald Trump durante a campanha eleitoral, quer para a nomeação quer para a presidência, e mesmo até durante os primeiros meses na Casa Branca?

“A intervenção no Iraque foi um desastre”… “A intervenção no Afeganistão foi um desastre”… “A intervenção na Líbia foi um desastre”... “Vamos deixar-nos de intervir em territórios estrangeiros”… “Voltemos a ser isolacionistas como os nossos pais fundadores idealizaram” … “Vamos fortalecer antes a economia das nossas cidades do interior”… “Vamos antes virarmo-nos para dentro das nossas fronteiras”… “América First!”

Ora, esta retórica vigorava até há poucos dias atrás. Mas até à data e hora que escrevo este texto, 59 misseis Tomahawk foram lançados sobre uma base militar do regime de Assad na Síria, uma super bomba MOAB foi lançada sobre tuneis do Daesh no Afeganistão, e para coroar o cenário, uma frota da marinha Americana estacionou ao largo da Coreia do Norte à espera de ordens para atacar caso o regime de Pyongyang leve a cabo testes balísticos nucleares.

É a isto que se pode chamar de redução de 4ª para 2ª!

O que aconteceu ao isolacionismo e ao “vamos lá mas é ficar no nosso canto”? A resposta é provincianamente simples. Na alta política Americana é o “Império” quem mais ordena!

Tudo começou há quase 200 anos, quando em 1823 o Presidente James Monroe elabora e põe em marcha uma doutrina que ficou com o seu nome. A Doutrina Monroe consistia à data em combater o colonialismo europeu em todo o continente americano (presuma-se: do Canadá ao Chile). Era considerado um assunto prioritário de segurança nacional garantir que nenhuma potência europeia possuísse territórios no continente americano, na perspectiva dos EUA – à data um país recente, com pouco menos de 50 anos de existência – tal poderia consistir numa ameaça militar e económica crítica para a sobrevivência e estabilidade da ainda recente nação independente.

A partir daí estava dado o mote, e as lutas pela independência foram surgindo, pondo termo ao dominante poderio Espanhol e Português na América Latina, Colômbia, Argentina, Chile, Peru, México, Venezuela, Bolívia, Brasil entre os restantes iam vencendo as guerras independentistas e consequentemente proclamando as respetivas independências. Sucesso este motivado em grande parte pelo incentivo independentista e auxílio dos EUA.

A luta contra o imperialismo europeu na América serviu assim de tubo de ensaio para aquilo que viria a ser a política externa norte americana nos quase 200 anos seguintes. Foi a Doutrina Monroe que rompeu com a Doutrina Isolacionista de não intervenção externa, fixada pelos pais fundadores aquando da proclamação da independência norte americana da alçada do Império Britânico.

E assim tem funcionado desde então com a seguinte sequência: 1 – Identifica-se uma ameaça externa. 2 – Neutraliza-se a ameaça externa. 3 – Por fim toma-se o controlo dessa ameaça externa em benefício próprio.

Assim foi conquistado o estatuto de potência global após as duas grandes Guerras Mundiais, e assim foi mantido e consolidado, sendo hoje os EUA desde há coisa de 60 anos, o país mais próspero e mais forte do mundo, do ponto de vista militar, político, económico e diplomático. Tornando-se dessa forma num “Império”.

Esta fórmula em 3 atos permite que de forma eficiente, por via da ação externa, haja uma forte atração de prosperidade, e simultaneamente uma forte segurança dessa prosperidade através da força militar, que pode em qualquer parte do mundo, intervir eficazmente em qualquer um dos “entrepostos” do “Império”, para garantir a segurança e eficácia dos mesmos. Qualquer perturbação a um desses entrepostos, pode ter influências negativas fortes, na economia doméstica americana, daí a gritante obsessão americana relativamente à intervenção externa, seja ela política, militar, económica, ou diplomática.

Ou seja, os EUA em matéria de política externa, funcionam como um comboio que circula sobre carris, cuja direção não pode ser alterada para fora desses mesmos carris, com prejuízo de poder resultar em fins economicamente catastróficos. Logo, toda e qualquer pessoa, instituição, ou circunstância que manifeste a mais leve intenção de levar este comboio a sair dos carris determinados por esta fórmula, ou é convertido ou é neutralizado.

Trump foi inteligente, decidiu abandonar o discurso isolacionista e converter-se à formula expansionista, pois deve ter percebido que ou se convertia, ou era neutralizado como outra qualquer ameaça, porque era isso mesmo que o “Império” via na sua retórica de campanha… uma ameaça!

Trump apareceu e venceu na base de um discurso revolucionário, como Obama na sua primeira eleição. Mas tal como Obama na altura sentiu que tinha de se adaptar à realidade do “Império” quando dizia que Guantanamo tinha de ser encerrada, ou que se deviam retirar todas as tropas do Afeganistão (promessas não cumpridas), também Trump teve de se render à realidade dos factos que o “Império” impõe.

Por mais revolucionários que os discursos de campanha sejam, e por mais revolucionárias que as intenções presidenciais possam ser, nos EUA quem manda é o “Império”, e a este, nenhum homem consegue bater o pé, nem Trump, nem Obama, nem Hillary, nem Sanders.

A um império, só outro império lhe pode fazer frente.

Imagem de capa na petapixel.com